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O rock não é mais suficiente. Será o fundo do poço?

Combate Rock

16/07/2018 06h53

Marcelo Moreira

Cresce o número de artistas que enxergam o rock como algo insuficiente para a manutenção de uma carreira longeva. Tanto no Brasil como na Europa são vários exemplos de músicos que ameaçam uma migração para outros estilos, seja na mescla com outros gêneros ou simplesmente mudando de ares.

Se o rock ainda tem um bom sortimento de oxigênio na Europa – notadamente as suas vertentes mais pesadas -, nos Estados Unidos e na América Latina o gênero sofre acirrada concorrência do rap e de ritmos locais associados a elementos eletrônicos de qualidade e gosto duvidosos.

Uma artista brasileira importante deu sinais claros desse panorama em sua última entrevista. Pitty é a capa da mais recente edição impressa da Rolling Stone Brasil, que deverá parar de circular a partir de agosto.

A cantora baiana, uma das boas artistas do pop rock nacional deste século, falou bastante de sua carreira e do futuro, e admitiu com todas as letras que sua música será bastante diferente daqui para a frente, fato corroborado elo seu produtor, Rafael Ramos, que também deu depoimentos para a reportagem.

Pitty e Elza Soares: a roqueira busca novos horizontes fora do gênero em que se consagrou (FOTO: DIVULGAÇÃO/DANIEL FERRO)

Os dois cravam que a renovação da carreira da cantora passa pelo flerte, inicialmente, com outros gêneros e com a colaboração com artistas de vários matizes. Já foi assim quando a baiana uniu forças com  a veterana Elza Soares, um dos maiores nomes do samba brasileiro e que teve seus dois últimos CDs bastante elogiados.

Se Pitty se aventurou o samba e pretende dar mais espaço para o pop – recentemente gravou uma música com as cantoras Tássia Reis e Emmily Barreto (Far From Alaska) -, Rafael Ramos foi além e revelou que a versatilidade e o ecletismo de Pitty vão empurrá-la para outros horizontes.

Ele se referia basicamente à música com fortes elementos eletrônicos, enquanto Pitty rasgava elogios a artistas nacionais e internacionais de rap, R&B moderno do tipo Beyoncé e o que chamou de MPB mais moderna.

Caminho semelhante está sendo adotado por outros artistas nacionais, entre eles o Cachorro Grande. A banda gaúcha já vinha flertando com arranjos mais modernosos e eletrônicos desde o álbum "Costa do Marfim".

O seguinte, "Electromod", acentuou a tendência, fato que certamente contribuiu para a saída do guitarrista Marcelo Gross, rocker de carteirinha e um dos responsáveis pela sonoridade hard pop de viés sessentista que sempre dominou o som da banda.

Cachorro Grande: em busca de novas sonoridades (FOTO: DIVULGAÇÃO)

O rock não é mais suficiente? Admitir isso é algo dificílimo em um meio onde o tradicionalismo e a rigidez de certos padrões ainda predominam. Por mais que estejamos na segunda década do século XXI, persistem em certos guetos o purismo onde o rock tem de manter o seu formato e o seu suposto legado.

O metal nacional é um destes bastiões de resistência, por mais que observemos artistas fazendo trabalhos com fortes influências de música regional (se que predominem, deixemos bem claro), como o Maestrick, o Armahda, Voodopriest e muitas outras bandas.

É possível resistir a essa onda de mesclas? Não está fácil para ninguém manter uma carreira musical no país tocando rock. Se ainda há mercado para bandas internacionais que tocam em estádios por aqui, geralmente cobrando R$ 500 o ingresso mais barato, para quem tenta faz o rock autoral a situação é inversa.

O cenário indie consegue dar visibilidade a meia dúzia de bandas que conseguiram destaque, entre elas Boogarins, Autoramas e Far From Alaska, mas são exceções em um mercado degradado.

Também são exceções os medalhões do rock pesado, como Krisiun e Sepultura, e tudo o que é associado à marca Angra. A banda brasileira de prog metal segue lotando casas de porte médio por todo o Brasil, assim como os ex-integrantes que revisitam o repertório da banda, como Edu Falaschi, Ricardo Confessor e Aquiles Priester, sem falar o Shaman, banda que contou com três ex-integrantes do Angra e que anunciou um retorno para cinco shows no final do ano com ingressos esgotados.

Apesar de não apelar para a injeção de novidades sonoras estranhas ao rock, quem indica que o rock precisa de algo mais é a banda paulistana Noturnall, que já tem três CDs e um DVD lançados e é o nome do metal nacional mais forte da atualidade, além da bandas já citadas.

O quinteto costuma fazer shows lotados, uma raridade dentro do metal nacional, e abusa da criatividade na divulgação de sues trabalhos. Na gravação do DVD que deve sair em breve, a banda agregou ao show performances teatrais e de ilusionismo, além de ousar e trazer a São Paulo um convidado de peso, James LaBrie, vocalista do Dream Theater.

"Achamos que é possível oferecer um espetáculo diferente e com mais conteúdo para o nosso fã. A ideia do 'freak show', com  mágica e performances diversas surgiu dessa necessidade de querer entregar algo diferente", disse à época do show o vocalista Thiago Bianchi.

Com um planejamento de marketing eficiente e ideias diferentes, o Noturnall rapidamente se tornou referência para os artistas de rock brasileiros que buscam alternativas de carreira em um momento em que o mercado está à procura de um norte – a quebra das gravadoras e a profusão de downloads legais e ilegais atordoaram a indústria de tal forma que ainda não surgiu um novo modelo de negócio.

James LaBrie (esq.) e Thiago Bianchi: Noturnall criou o seu 'freak show' e chamou um peso pesado para show em São Paulo (FOTO: FABIO AUGUSTO/DIVULGAÇÃO)

Inovar nem sempre significa fazer algo novo ou inédito – geralmente significa fazer algo diferente e que possa destacar o projeto/produto na selva da competição. O problema é que são poucos os que realmente têm essa competência. Se o rock não é mais suficiente, para onde correr então?

Os otimistas do chamado "mercado" afirmam que nunca antes no mundo a época foi tão favorável à inovação e aos inovadores, com espaço imenso para exercer a criatividade e buscar novos modelos de negócios.

Os pessimistas dizem que a música acabou, assim como as artes em geral. Já os realistas não perdem tempo e encurralam os otimistas contra a parede: quem pagará a conta?

Angra, Krisiun, Sepultura e Noturnall são as exceções no rock nacional mais pesado que ainda gozam de prestígio para atrair patrocinadores e investidores. E o que dizer de outros tão inteligentes quanto talentosos que enfrentam a escassez de crédito para investimentos?

Um dos empreendimentos mais importantes registrados dentro música nacional longe do "mainstream" foi a gravação do DVD do projeto Soulspell, capitaneado pelo baterista e compositor Heleno do Vale, de São Carlos (SP).

Professor universitário de ciência da computação, Vale fez o possível para manter  a carreira de músico de forma paralela. Com bons contatos e um trabalho autoral de muita qualidade, atraiu nomes nacionais e internacionais importantes para participar de cada um dos quatro CDs do projeto.

Quando resolveu que era hora de gravar um DVD, precisou de muitas horas de conversa e negociação para que pudesse finalmente tirar do papel o empreendimento dispendioso, que também se tornou um pesadelo logístico de gerenciamento de uma equipe de 70 pessoas. No dia 8 de julho último, a gravação ocorreu em um imponente teatro na cidade de Lençós Paulista, n o oeste do Estado de São Paulo.

O Soulspell é mais um exemplo de inovação dentro do entretenimento além do rock. No entanto, quais são os artistas que conseguem reunir as qualidades e o investimento necessários para tirar um projeto grandioso destes do papel?

Se o rock não é mais suficiente, então o mundo tende a ficar um pouco mais difícil para quem se aventura no trabalho autoral. Pode ser o melhor dos mundos, segundo os otimistas, com a abertura de uma miríade de novas possibilidades. E também pode ser um pesadelo imenso diante da aparente falta de perspectivas e de oportunidades – infelizmente, um cenário no qual estão a maioria das bandas de rock.

 

 

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

Sobre o Blog

O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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