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Bebendo cerveja e falando sobre história do blues com Blues Etílicos – 2

Combate Rock

24/06/2018 07h00

Eugênio Martins Jr. – do blog Mannish Blog

Blues Etílicos com o novo baterista, Beto Werther (o último da esq. para a dir.) (FOTO: DIVULGAÇÃO)

vamos à segunda parte da entrevista feita com integrantes do Blues Etílicos, grande banda carioca pioneira do gênero no Brasil . Agora a entrevista é com o baixista Claudio Bedran:

EM – Naquela efervescência do rock carioca dos anos 80, como tiveram a ideia de fundar uma banda de blues?
Cláudio Bedran – Eu e Flávio éramos amigos e eu já tocava baixo quando ele começou na gaita e foi se apaixonando por blues. O rock clássico que eu gostava estava em crise, era tempo de new wave e punk, que só curti bem mais tarde. Tocava mais jazz/rock e música instrumental BR em pequenos festivais e bares. O mais relevante que fiz até fundarmos o Blues Etílicos foi tocar numa orquestra de gafieira e num musical infantil (!!!) de relativo sucesso. O Flávio começou a me aplicar uns LPs de blues e eu gostei. Percebi que o som que mais gostava, Deep Purple, Led Zeppelin, Humble Pie, Jeff Beck, Johnny e Edgar Winter, AC/DC era fruto direto do blues. Um belo dia, à noite, num bar, ele sugeriu montarmos uma banda de blues, coisa que não existia no Brasil, pra tocar em boteco, sem maiores pretensões. Achei ótima ideia e fomos em frente.

EM – O Blues Etílicos começou como um trio?
CB – Não. Flávio e eu conhecíamos o Otavio, que tinha um sebo de discos bacana no Flamengo (bairro do Rio). Ele gostava de blues e de tocar slide, daí o convidamos. Fechamos a nossa primeira banda de blues com o guitarrista Sérgio Bap e o Paulo Batera. Fizemos dois shows num bar dias 25 e 26 de dezembro de 85, sob o "criativo" nome de Banda Experiência. Depois Otavio foi para os Estados Unidos de bike e a gig se desfez. O Flávio como cantor e gaitista e eu continuamos na luta, já como Blues Etílicos. Éramos chapas do Rodolpho Rebuzzi, – guitarrista que depois seguiu como músico instrumental e de estúdio, que hoje faz trilhas sonoras para filmes e TV – e completamos a banda com um suíço de passagem pelo Brasil, o Bernard Christian, na bateria. A essa altura nosso repertório já incluía composições nossas. Gravamos uma demo com Safra 63, que fiz há 32 anos, mas cuja letra é assustadoramente atual. Tocou bastante na lendária rádio "Fluminense FM, A Maldita" e com isso começamos a ficar conhecidos no Rio. Eu diria que esse é nosso começo, como um quarteto esperando a volta do Otavio pra se tornar um quinteto. O ano seguinte foi decisivo para nos tornarmos o que somos hoje, com a volta do Otavio, a entrada do Greg e do Gil Eduardo, e a gravação do nosso primeiro álbum.

EM – Como chegaram ao nome?
CB – Em dezembro de 85, com duas noites já agendadas no falecido bar Viro da Ypiranga (Laranjeiras, RJ), precisávamos de um nome. Flávio e eu queríamos algo com a palavra blues, até para deixar claro o estilo que queríamos tocar. Nessa, após um ensaio na casa do Otavio, fomos pro boteco. Aí um sugeriu Blues Lisérgico, outro Blues Psicodélico. Então veio o Paulo Batera, vê a garotada toda, (tínhamos 22/23), com copo de cerveja na mão e diz: "Por que não Blues Etílicos?" Pronto, era isso. Mas o Sérgio, que não bebia e cuja namorada era a "divulgadora" da gig, queria "Banda Experiência" e foi isso que saiu no tijolinho do jornal. Nome pouco criativo, porém mega adequado à confusão sonora que fizemos naquele Natal.

EM – Qual foi o primeiro grande show e o grande momento do Blues Etílicos?
CB – O primeiro grande show foi uma abertura que fizemos pro Barão Vermelho, no Circo Voador, creio que no início de 88. Queríamos mostrar que éramos bons e, segundo quem estava lá, conseguimos. Aliás, nossa onda com o Barão é muito boa. Rola uma admiração mútua. Frejat e Guto compuseram Terceiro Whisky pra gente, Flávio já gravou com Frejat, Otavio tocou na Midnight Blues Band deles no Hollywood Rock, tenho uma gig paralela com Fernando Magalhães, outro dia compus uma música com Guto, enfim…
Tomara que o grande momento ainda esteja por vir, mas o Festival de Ribeirão foi emocionante, um curso intensivo de blues, além de nos lançar nacionalmente. Também teve uns shows memoráveis com Paulo Moura e Ed Motta, aberturas para gringos, shows com Sugar Blue e Larry McCray.

EM – Cláudio, você é o único que não tem carreira solo gravando discos fora da banda. Por outro ladon está sempre envolvido em algum projeto – Clube do Blues, Cozinha Etílica etc. Ou seja, fazendo o trabalho de pedreiro. Fale sobre isso.
CB – Na verdade tive várias gigs paralelas ao BE, mas não são blues, daí a turma blueseira não fica sabendo. Teve uma chamada Macabu, bem interessante. Foi num momento em que Flávio estava mega focado na paralela dele. Eu, Otavio, Pedro e Greg começamos então a gravar um álbum. No meio do projeto o Greg achou que o som estava muito estranho e saiu fora. Realmente tem algumas coisas bem loucas. Inclui participações do Seu Jorge em Sujeito Mané, dividindo vocais com Pedrão (https://youtu.be/tZNJ1iEAsn4) e em H2O (https://youtu.be/0t9lvIn6DSA), que depois gravamos no Puro Malte. Tem uma suíte progressiva chamada Flauaualta Bongozando Jaca que você não vai acreditar (https://youtu.be/pwn0j2EKN5M). Outra foi Krakatao, gig instrumental com Beto Werther, Otavio e Waltinho Vilaça, depois com Dillo D'Araújo no lugar do Waltinho (https://youtu.be/RW50OGNsbSc). Também participei de álbuns de alguns amigos, inclusive Mauro Santa Cecília, letrista de várias do Barão e Frejat e parceiro de algumas do BE (https://youtu.be/7dJGKxGVTwQ). De uns 10 anos pra cá, tenho promovido jams semanais no Rio. Nessa levei som com todo mundo daqui, além de muitos blueseiros do Brasil afora. Chegamos a gravar um álbum comigo e Pedrão convidando vários amigos, mas está literalmente engavetado aqui em casa. A qualidade da captação não ficou das melhores, mas quem sabe um dia sai. Tenho uma banda paralela com Fernando Magalhães (Barão), Gil Eduardo (ex-batera do BE) e Paulo Loureiro (voz), chamada "I Love Rock and Roll". O repertório conta a história do rock, de hoje até a origem em Robert Johnson. Tem ainda uma outra, "Freak Brothers", que é mais uma reunião eventual de amigos onde compomos uns troços bem legais, com bastante suingue. Também com Gil e Paulo, mas com Rodrigo Larese e Luis Keller nas guitarras. Outro trabalho paralelo ao BE que tive por um tempo foi o de advogado. Renderia um pocket book, mas basta dizer que parei com isso há vários anos e que incluiu aventuras em Sergipe, Minas, Argentina e Itália.

EM – "Puro Malte" é o trabalho mais recente, uma homenagem à boa cerveja. A cerveja de vocês ainda está sendo fabricada?
CB – Na real, o mais recente é um EP (2018) que ainda não saiu, já com o Beto na batera. Inclui uma parceria do Flávio com Pedro Luís em 3.000, cuja letra é a cara da loucura nacional e intercontinental que estamos vivendo (https://youtu.be/a2ng7UqKpVA). E o Canoeiros (2017) com Noel Andrade. Tem um ao vivo de 2016 comemorando os 30 anos. Não está entre os meus preferidos, embora tenha coisas bem legais
O "Puro Malte" (2014), tem maioria de autorais inéditas, é um ótimo trabalho. Quanto à nossa cerveja, "Hell Bier", era uma Lager lupulada bem bacana, com bastante Amarillo, feita pelo Mestre Severino, da Mistura Clássica. Capitaneei esse projeto, instigado pelo amigo Giovanni Calmon, distribuidor de cerveja aqui no RJ. Fomos uma das primeiras bandas brasileiras a surfar essa onda, foi sensacional. Aprendemos muito sobre cerveja, fizemos bons amigos. Mas foi uma aventura com início, meio e fim. Como você pode dizer melhor que eu, é um trabalho que toma muito tempo e energia, chegou o momento de parar. Mas no futuro, quem sabe?

EM – Após quase trinta anos, o que falta o Blues Etílicos fazer? Esse projeto é um exemplo de que vocês ainda estão buscando abrir mais horizontes na música.
CB – A obra do Tião Carreiro, por exemplo, abriu o tampão da nossa mente. É muito gratificante descobrir a riqueza de um som de raiz, que sempre esteve aqui ao lado, mas que nós só percebemos agora. Modéstia à parte, conseguimos aí fazer uma coisa nova, bem world music. Diga-se que Menino da Porteira é uma das histórias mais blues que já toquei na vida. Eu, Otavio e Beto ficamos com nó na garganta ao fim da versão que tocamos em Santos.

EM – Vocês foram os fundadores do blues no Brasil. Como vê a cena blueseira de hoje?
CB – Acho que a cena vai bem, com muita novidade bacana. Sou fã do Laranjeletric, banda de blues carioca formada por músicos negros, coisa paradoxalmente rara no blues BR. Também do Rio tem a ótima cantora Sonja. Adoro o Fred Sunwalk, de Ribeirão. Curti muito tocar com o Bruno Marques, guitarrista mineiro de blues da melhor qualidade. O Cristiano Crochemore, gaúcho radicado no Rio, toca um blues rock de primeira. O Oly, de Porto Alegre, faz uma mistura de blues e milonga muito bacana. O Dillo D'Araújo, de Brasília, toca blues pra caramba, mas foca num trabalho fora do segmento. Tem ainda os ótimos Eric Asmar de Salvador e Artur Menezes de Fortaleza. Isso pra não falar da turma mais antiga. E com certeza estou esquecendo vários nomes recentes, é muita gente boa tocando blues.

EM – No "Puro Malte" tem duas músicas que me chamaram a atenção. "Cotidiano 2", do Toquinho e Vinícius, que retrata um momento do Rio quando a vida era mais relax. E "Na Hora de Atravessar", que retrata o momento atual, quando a pessoa tem de ficar mais alerta. Gostaria que falasse sobre isso.
CB – Bem, pra começo de conversa, o "nº2" do "Cotidiano" é código para "merda". Vem daquele papo "vou ao banheiro fazer nº2". A letra trata de um tipo de vida que para muitos, inclusive os autores e eu, é insuportável. É uma "calma" muito cara. Já em "Na Hora de Atravessar", a letra fala sobre a vida insegura numa megalópole moderna, num país onde respeitar leis, inclusive as de trânsito, é coisa de otário. Hoje, a falta de atenção à educação nas quatro décadas que separam as duas musicas resultou em milhões de pessoas sem estudo ou qualificação profissional. Pra complicar, a política de guerra às drogas não funcionou, até piorou as coisas. Como droga ilegal só perde para armas e petróleo em termos de lucro, isso levou a um crescimento exponencial das quadrilhas de varejistas, das milícias, da violência urbana e da corrupção entre policiais, políticos e militares. Afinal, não se fabricam drogas, fuzis, granadas e metralhadora .50 em favelas, né? A parada tem que passar por um caminho longo até chegar lá…

EM – Muito complicado.
CB – Atualmente o interventor no RJ está tentando atacar uma raiz do problema, a corrupção na cúpula das polícias, o que está causando uma reação ainda mais violenta, do tipo: "olha com quem cê tá mexendo, rapá…" Em princípio sou contra intervenção, mas parece que o cara está falando sério.Quanto à tal da vida mais relax no Rio e no BR de outrora, é discutível. É verdade que éramos "90 milhões em ação", menos da metade da população atual, e havia muito menos violência nas ruas. Só que a "vida melhor de antigamente" era boa pra quem? "Cotidiano nº 2" é de 1972. Pouco antes, minha mãe, quando casada, precisou pedir permissão por escrito a meu pai para trabalhar, era lei. Ele pulava mais cerca que cabrito maluco, mas quando minha mãe se encheu e resolveu se separar em 1970, passou a ser discriminada como "desquitada", palavra quase tão pejorativa quanto "vagabunda". Não existia divórcio! Em 74 eu estudava em colégio católico, onde pegava mal ser filho de pais separados.

EM – Outros tempos.
CB – Aliás, quase não havia negros nos colégios particulares tradicionais do Rio durante os 70. Sem exagero, a porcentagem era menor que 1%. E, quando iam visitar os colegas brancos, o porteiro os mandava subir pelo elevador de serviço! Em 1980, na Engenharia UFRJ, a proporção talvez chegasse a um negro para cada 30 ou 40 "brancos". Ser mulher ou negro era pedreira, mas ser gay nos anos 70 significava ser cidadão de terceira categoria. Faltava armário pra esconder a turma. Do general mais conservador aos cartunistas d'O Pasquim, todo mundo esculachava gay. Não só aqui. Na Inglaterra, URSS, EUA e Cuba também. Até o início dos 80, ser músico no Brasil equivalia a ser vagabundo, drogado e "subversivo em potencial", enfim, cidadão de segunda classe. Meu pai e minha mãe quase tiveram um troço quando larguei engenharia pra ser músico. Inclusive o leque de profissões liberais respeitáveis se resumia a engenharia, medicina e direito. Pra completar, "Cotidiano nº2" foi gravada na fase mais barra pesada do regime militar (68/74), quando expressar opiniões como essas aqui podia até dar cadeia. E ainda tinha censura, que só acabou no fim dos anos 80. Chegamos a submeter letras do Blues Etílicos à aprovação da censura! Veja só que loucura… Lembrando agora, a coisa era muito medieval. Não gostaria de voltar àquela época, prefiro me adaptar e tentar melhorar um pouco a minha.

EM – Tá certo. Qual é o próximo projeto do Blues Etílicos?
CB – Além de aperfeiçoar o "Canoeiros", estamos envolvidos com o lançamento do novo EP "3.000", já com Beto Werther na bateria. Tem algo novo surgindo no horizonte, mas é melhor deixar amadurecer um pouco antes de dar como certo. Afinal, "o homem que diz vou, não vai…"

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

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O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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