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Bebendo cerveja e falando sobre história do blues com Blues Etílicos - 1

Combate Rock

23/06/2018 07h00

Eugênio Martins Jr. – do blog Mannish Blog

Blues Etílicos com o novo baterista, Beto Werther (o último da esq. para a dir.) (FOTO: DIVULGAÇÃO)

A entrevista de Flávio Guimarães contida no primeiro Blues – The Backseat Music foi fácil. Nossos caminhos se cruzaram na estrada um montão de vezes e numa dessas acabou acontecendo. Mas passei anos tentando falar com os outros caras, Greg Wilson, Cláudio Bedran e Otávio Rocha.

Finalmente consegui e, com sorte, falei com o novo integrante da banda pioneira do blues no Brasil, o baterista Beto Werther, que por sua vez foi integrante de primeira hora da também carioca Big Allanbik.

Aos desinformados, digo que o Blues Etílicos foi pioneiro na mistura do blues com alguns dos ritmos brasileiros, dando régua e compasso a muitos artistas que vieram depois. Letras em português e inglês, com muita personalidade.

Ao longo dos 30 anos de estrada, eles misturaram guitarra com berimbau, tocaram Raul, homenagearam Muddy Waters e, acima de tudo, inventaram o blues na terra do samba.

O caminho dos integrantes genuinamente cariocas cruzou o caminho de um americano – olha a encruzilhada aí de novo – e a banda foi criada em plena efervescência do rock nacional.

As letras de Cazuza e a guitarra de Frejat, já flertavam com o velho blues. As de Celso Blues Boy também. Mas nunca assumiram o namoro. O Blues Etílicos foi lá e raptou a noiva, casou e gerou diversos filhores.

O Big Allanbik foi um deles. Beto Werther conta um pouco dessa história aqui. E também fala um pouco sobre o irmão cantor, Ricardo Werther, falecido em 2013.

A entrevista aconteceu em um show da turnê "Canoeiros," CD homenagem a Tião Carreiro, gravado em parceria com o violeiro Noel Andrade, aqui na minha cidade, Santos.

Canoeiros mostra que o tempo não consumiu a disposição e muito menos a criatividade da banda. A mistura da viola caipira do interior com a slide do Mississippi rende bons frutos e o "country" O Menino da Porteira é a prova.

O tempo passa para todos e a banda que misturou blues e birita mostrou que o segredo da vida é se manter em movimento. Como diz o Larry McCray: "Get Your Blues On".

Nesta primeira parte, entrevistei o guitarrista Greg Wilson:

 

Eugênio Martins Júnior – Você nasceu em Tupelo, no Mississippi, terra do Elvis, veio ao Brasil e depois voltou aos Estados Unidos para estudar. Como essas influências musicais agiram na tua cabeça? Essa mistura?
Greg Wilson – Meus pais vieram trabalhar como missionários quando eu tinha seis meses de vida. A regra da Igreja Batista era que eles tinham de ficar pelo menos cinco anos e depois voltar aos Estados Unidos por um ano. Eles tinham de viajar pelo país e falar nas igrejas sobre os trabalhos que haviam feito no Brasil. Passei um tempo, ficando cinco anos aqui e um ano lá até acabar aqui o ensino ginasial. Depois fui cursar a universidade nos Estados Unidos. Após me formar voltei pra morar de vez no Brasil.

EM – Teu pai era regente de corais. O que vocês escutavam em casa?
GW – Ouvíamos todos os tipos de música. Ele gostava muito das big bands, aquelas coisas do sul. Nasci em Tupelo porque eles estavam na universidade do Mississippi, mas o pessoal é todo da Carolina do Sul. Me criei aqui no Brasil, Rio Grande do Sul, Paraná e depois no Rio de Janeiro, onde estou até hoje. Esse ano que eu passava nos Estados Unidos era sempre na Carolina do Sul. Meu lance musical era todo dentro da igreja. Meu pai era músico e fazia isso nos corais, quartetos, seminários. Eu vivia rodeado de instrumentos, todos os meus irmãos são músicos. Quer dizer, tiveram aprendizado. Tiveram seus instrumentos. Eu só fui tocar blues depois que voltei da universidade. Já sabia, já conhecia, mas não tocava. Gostava muito de James Taylor.

EM – E como foi o encontro com o pessoal do Blues Etílicos?
GW – Quando morei no Rio estudei na escola americana. No final, alguns amigos foram para as suas universidades nos Estados Unidos. Mas nas férias, geralmente no verão, eles voltavam para o Rio e alugavam um apartamento por uns meses, onde eu ia sempre fazer um som. Um belo dia entram o Flávio e o Cláudio atrás de um deles, que era guitarrista de blues. Ele tinha colocado nesses quadros de universidades um anúncio se oferecendo como guitarrista e foi tocar com o Blues Etílicos. Eu ia aos shows e acompanhava a galera. Quando acabou a temporada esse cara foi embora e como eu já estava entrosado com a rapaziada me candidatei à vaga. Gravamos o primeiro disco e entramos na Eldorado.

EM – Eu tenho uma curiosidade. Você nunca teve vontade de fazer uma temporada nos Estados Unidos, a terra do blues?
GW – Já tive e gostaria de fazer isso com a banda. Mas por incrível que possa parecer, a gente nunca teve esse projeto e dessas bandas novas todos já fizeram isso (risos). Mas a gente não seguiu o tradicional, a gente compõe em português. Digamos que a nossa missão era inserir o blues na nossa realidade.

EM – Mas você gravou um disco solo bem blueseiro. Com bastante shuffle, o Blues Etílicos gravou Viva Muddy Waters e o Flávio gravou umas coisas bem tradicionais nos discos solos. Vocês fazem isso bem.
GW – Claro. Se quiséssemos poderíamos gravar vários discos assim. Também tem a gaita, da slide, do meu vocal. Se a gente vai tocar num bar de blues pra se divertir é blues total.

EM – Fale sobre a parceria com o Alex Rossi.
GW – A gente se conheceu nos anos 90, numa dessas idas a Porto Alegre. Ele me convidou para fazer umas gigs por lá com uma banda. Numa dessas ele arrumou um show em um projeto cultural. Era numa sala arrumada, com cadeiras. Era só minha guitarra e a gaita dele. Quando acabou o show o cara do som disse que tinha gravado tudo.

EM – E aquele disco é o show na íntegra!? Ele gravou direto da mesa?
GW – É. Demos uma mexida, claro. Mas nem sabíamos que estava gravando. Pensamos em fazer esse CD pra conseguir mais shows.

EM – Acredito que a viola caipira é prima da slide do blues. Gostaria que falasse sobre a parceria com o Noel Andrade que gerou um disco e esse show? Como surgiu a ideia?
GW – Tudo começou com um encontro entre ele e o Flávio, que sugeriu pra nós, que topamos na hora. As letras do Tião Carreiro, a história, são parecidas com a dos blueseiros. Trabalhamos nos arranjos e o show está aí.

EM – Surgiu a ideia fazer a versão de Menino da Porteira? Vocês transformaram numa música country americana.
GW – O Noel sugeriu fazer essa parte em inglês. Começou a ficar interessante e a gente mandou ver.

EM – Voltando ao teu CD, vi uma grande influência do Allman Brothers ali. Tem inclusive músicas deles. Fale mais um pouco sobre esse trabalho.
GW – Estava tocando em um bar no Rio com essa banda me acompanhando há uns três anos todas as segundas. Resolvemos fazer o disco e eu juntei o repertório, fui puxando coisas que gostava e o Allman Brothers escutava desde a adolescência. As músicas do Allman Brothers, na verdade, são do Elmore James. Entramos no estúdio de manhã e terminamos no mesmo dia. Foi uma loucura. Depois acertamos algumas coisas no som.

EM – Vocês foram os fundadores do blues no Brasil. Como vê a cena blueseira após trinta anos?
GW – A coisa alastrou. A gente fez uma história. Naquela época não tinha banda de blues. A gente começou a viajar o país inteiro e começou surgir banda aqui, banda ali. Hoje em dia, nossa senhora! Exitem instrumentistas maravilhosos, guitarristas, gaitistas. O Flávio criou uma legião de gaitistas. É legal de ver. Claro que tem pessoas que se aproveitam um pouco do cenário e não sabe nem quem é Muddy Waters. Mas isso tem em qualquer lugar. Às vezes atrapalha um pouquinho o trabalho da gente. Mas o nível está altíssimo.

EM – O que falta fazer com o Blues Etílicos após trinta anos?
GW – Voltando aquela história, gostaria de fazer uma turnê pelos Estados Unidos agora, depois de tantos anos juntos. Não só tocando o tradicional, mas o nosso repertório, pra ver a reação deles. Isso é uma pulga atrás da orelha.

 

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

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O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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