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Crianças em jaulas e o silêncio ensurdecedor dos roqueiros

Combate Rock

21/06/2018 07h00

Marcelo Moreira

O muro é uma ameaça cada vez mais real para os imigrantes latino-americanos (FOTO: REPRODUÇÃO)

A crise na imigração nos Estados Unidos já tinha capítulos desenhados e antecipados quando da chegada do presidente Donald Trump ao poder, no começo de 2017.

Xenófobo e ultradireitista desinformado e despreparado, abraçou uma série de teses estapafúrdias de assessores desmiolados que encaram os imigrantes como inimigos, em clara peça de dissimulação para evitar entrar nos temas que deveriam merecer a sua atenção.

É uma crise com tamanha gravidade que logo motivou uma série de protestos pelo mundo, engajando artistas como Bruce Springsteen, que compôs no ano passado o belo hino "That's What Makes Us Great" em parceria com o vocalista da banda Houserockers, Joe Grushecky.

Pena que ele foi praticamente o único a se manifestar e a criar algo belo e contundente sobre a crise de direitos humanos dos refugiados e imigrantes nas fronteiras norte-americanas.

Com a recente separação de pais e filhos na fronteira com o México, que virou escândalo internacional, o silêncio da classe artística parece ensurdecedor, assim como ocorreu com as sucessivas tragédias de refugiados mortos afogados no mar Mediterrâneo entre 2015 e 2016.

Os constrangedores e angustiantes áudios das crianças chorando e gritando ao serem arrastadas e separadas das famílias e – alojadas em jaulas nos centros de triagem e imigração do Texas e Califórnia – abriram as portas de mais uma fornada de horrores cometidos contra quem foge do inferno para cair em um pior.

Coube a um brasileiro, Supla, a mais contundente crítica aos "muros" de Trump contra a imigração dita "ilegal". "Illegal", faixa-título de seu mais recente álbum, é cantada em três línguas (inglês, português e espanhol) e bate forte na política excludente e discriminatória dos Estados Unidos contra as populações latinas que tentam entrar no país ou que estão constantemente sob a ameaça de deportação.

Na semana passada, um entregador de pizza equatoriano foi preso assim que deixou o alimento em uma delegacia de polícia. Um sargento desconfiou do sotaque e o deteve para averiguações ali mesmo. De forma asquerosa e intimidatória, foi preso e levado para uma prisão federal para aguardar meses em um processo de deportação, já que estava no país ilegalmente.

Nenhuma voz entre os roqueiros ou menos na comunidade do rap bradou contra a o tratamento desumano e infame dado aos imigrantes e às crianças separadas à força de seus pais. "That's What Makes Us Great" ainda é o maior libelo contra essa política violenta e descriminatória.

Roger Waters, ex-Pink Floyd e o mais ativo astro internacional da música na política, também fez pesados ataques à política de Trump em seu mais recente álbum, lançado no ano passado – ataques ainda pertinentes, mas que soam ainda coisa requentada diante do silêncio desnorteador.

Trump anunciou na tarde desta quarta-feira (20) que pretende rever a decisão de separar crianças filhas de imigrantes de suas famílias. Tarde demais. O estrago criou um enorme constrangimento internacional e pouco pode ser feito para amenizar a crise.

A questão é que, mais do que ideologia ou pragmatismo político-administrativo, o governo Trump é movido pelo ódio e pelo confronto. Precisa muito mais de inimigos do que os que realmente existem. Reacendeu uma demanda direitista conservadora e reacionária e agora precisa prestar contas a essa casta asquerosa que bancou a sua inesperada vitória.

Ao silêncio ainda ensurdecedor da classe roqueira sobre a tragédia humanitária infantil nas fronteiras norte-americanas, contraponho uma lúcida reflexão do jornalista brasileiro Gustavo Chacra, da GloboNews:

"Imigrantes passaram a ser vistos como um problema em vez de solução. É um equívoco. Imigração pode ajudar economicamente nações e pessoas ao redor do mundo. O ideal seria os países ricos abrirem suas portas, em vez de se fecharem, como parece ser a tendência nos tempos de Trump e Brexit. O PIB global cresceria e menos pessoas viveriam na pobreza e em meio a guerras. Conforme a revista "The Economist" demonstrou em reportagem recente citando estudos de economistas, o planeta seria US$ 78 trilhões mais rico caso houvesse total liberdade de movimento de pessoas."

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

Sobre o Blog

O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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