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Comemorar fim de banda importante demonstra enorme pobreza de espírito

Combate Rock

03/06/2018 07h00

Marcelo Moreira

Matanza (FOTO: DIVULGAÇÃO)

O jornal Folha de S. Paulo costumava ter uma seção, nos anos 90, que se chamava "Boa Notícia". Era uma bobagem inventada para "contrabalançar" o que leitor médio percebia como excesso de notícias ruins na primeira página. Geralmente era um quadradinho que mencionava algum avanço na medicina ou empreendimentos que ressaltavam os direitos humanos ou boas ações, entre outras coisas.

A maioria dos jornalistas desprezava tal iniciativa, já que era algo complicado de se biscar todos os dias e a repercussão era quase nula.

Em uma das reuniões de pauta do jornal, a segunda, que ocorria a tarde, a editoria de Ilustrada informou que o Sepultura havia acabado, por conta da separação de Max Cavalera do resto da banda – como se sabe, a banda não acabou. Um editor gaiato, de outra área, não perdeu a oportunidade: "Acabou? Então entra na coluna 'Boa Notícia'…" Todo mundo riu, menos eu.

Celebrar o fim de uma banda importante é algo estranho de entender. Por mais que não gostemos de tal artista, celebrar o encerramento de sua carreira ou mesmo a sua morte – cansei de ver isso em relação aos Mamonas Assassinas e Michael Jackson, por exemplo – não apenas revela pobreza de espírito . É burrice.

Muita gente anda comemorando o fato do Matanza ter encerrado as atividades após 22 anos. O anúncio foi feito nesta semana. É impressionante o desprezo que muita gente demonstrou pela banda nas redes sociais.

Ok, faz parte. Mas comemorar porque a banda era supostamente ruim? Uma banda underground que levava 4 mil pessoas aos seus shows, equiparando-se aos grandes nomes sobreviventes dos anos 90? Não dá para entender.

Uma coisa é não gostar da banda e até menosprezá-la. Outra é ser incapaz de entender o que representa o encerramento das atividades de uma potência como o Matanza, sem falar no poder de fogo que mostrava nos palcos.

Quem acompanha o Combate Rock sabe do meu nenhum apreço pelos Mamonas Assassinas. Nunca passou de uma armação mercadológica e que, como piada, era ruim e sem graça, presa na armadilha de fazer música/piada para crianças de quinta série. Musicalmente, era fraco e pouco relevante.

Entretanto, o desaparecimento do grupo em acidente aéreo, em 1996, foi um golpe forte no mercado fonográfico brasileiro, que já inciava um período de declínio que se consolidaria no começo da década seguinte.

Os Mamonas foram importantes porque ainda representavam  o vigor de uma indústria que apostava no pop rock, por mais desagradável e desprovido de qualidade que fosse. Desprezar artista e banda é uma coisa; ignorar deliberadamente o impacto que tais artistas têm no mercado é burrice e indigência mental.

O colunista Ricardo Alfredo Flávio, do site Rock on Board, fez um comentário bastante pertinente sobre as "celebrações" do fim do Matanza: "Quem comemora o fim da banda cita que eles apresentam texto machista, homofóbico, sexista, os novos velhos defensores do politicamente correto, como se o rock'n'roll fosse assim desde os primórdios, e que é uma "banda de playboy" (como se isso fosse um crime) em contraponto com uma legião de fãs que estão tristes com o anúncio e fã costuma ser chato em defesa de seus ídolos. Está instaurado o novo 'Fla x Flu' das redes sociais. Hoje em dia, tudo é motivo para brigas estúpidas e discursos de ódio."

O Matanza sai de cena por cima, ainda que as razões reais do fim da banda não tenham  sido reveladas ainda. Como o nome mais importante do underground nacional, é uma perda e tanto por conta do combalido cenário nacional, onde meia dúzia de bandas obtêm algum sucesso e datas frequentes de shows, e a maioria pena para encontrar um lugarzinho para tocar, quanto mais para atrair um público fiel.

A cena nacional sem o Matanza fica mais precária, e comemorar tal coisa não faz o menor sentido.

 

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

Sobre o Blog

O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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