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O fim dos Yardbirds em Nova York, há 50 anos, foi a gênese do Led Zeppelin

Combate Rock

02/04/2018 06h55

Marcelo Moreira

Última formação, que durou do final de 1966 ao começo de 1968 (foto: divulgação)

Ninguém via a hora de ir para casa. Cansados, irritados, estressados com a comida ruim e o pagamento aquém do que imaginavam merecer, três dos quatro integrantes dos Yardbirds estavam fartos da vida como um todo.

Eles não tinham planejado aquilo, mas certamente consideravam com carinho a hipótese de fazer história e transformar aquela na última apresentação da banda – em parte para se vingar do constante "entusiasmo" do guitarrista Jimmy Page e do empresário Peter Grant.

O vocalista Keith Relf, o baixista Chris Dreja e o baterista Jim McCarthy estavam exaustos e queriam sumir, mas jamais imaginariam que naquele 30 de março de 1968 estariam, involuntariamente, dando o pontapé para o surgimento do fenômeno Led Zeppelin.

Há 50 anos, os Yardbirds chegavam ao fim no Anderson Theatre, em Nova York, um lugar que jpa tinha passado por melhores dias e recebia apenas atrações teatrais e musicais de segunda linha.

Era o encerramento de agoniante e agonizante turnê norte americana daquele ano, onde a banda já era considerada ultrapassada. Com algumas exceções, atraiu público abaixo do esperado, o que aprofundou ainda mais a insatisfação dos músicos.

Relf, McCarthy e Dreja eram membros fundadores e integrantes das formações clássicas dos Yardbirds, que entre 1963 e 1966 fez parte do primeiro escalão do rock inglês, rivalizando com Who, Rolling Stones e Kinks, para não falar do celeiro de superguitarristas, como Eric Clapton, Jeff Beck e Jimmy Page.

Desafortunadamente, a sorte virou quando saíram o baixista Paul Samwell-Smith e, meses depois, Jeff Beck, isso em 1966. O encanto parece ter quebrado e o desânimo tomou conta, ao mesmo tempo em que a criatividade desaparecia.

Jimmy Page, o substituto inicial de Smith, logo mudou de posição com Dreja, assumindo a guitarra e fazendo dupla com Beck, amigo longa data. Os dois ficaram pouco tempo tocando juntos. Beck saiu e o grupo virou um quarteto, ainda na dúvida se investia mais no blues ou no som psicodélico. A dúvida foi fatal e a banda foi ultrapassada pelos concorrentes.

A turnê de 1968 era a última tentativa de fazer vingar o álbum e os singles "Little games, do ano anterior, que foi mal recebido no mercado. Já era Led Zeppelin, mas ninguém ainda sabia disso.

Estava além do seu tempo, como Page diria depois, mas ninguém parecia dar bola. "Little Games" era psicodélico, mas também era pesado e insolente, além de soturno e melancólico. Ninguém queria saber daquilo em 1967, ano em que as pessoas ainda estavam embaladas pelo verão do amor e pelo mundo hippie.

"Little Games", o último álbum dos Yardbirds em sua primeira fase

Jimmy Page finalmente estava satisfeito por ser um músico de rock de verdade, e não o requisitado e conceituado músico de estúdio, mas quase anônimo, função que exerceu entre 1963 e 1966. Sentia-se vivo, e com muita vontade de tocar e fazer acontecer, mesmo em uma banda decadente e com poucas perspectivas. Seu entusiasmo contagiou até mesmo o ressabiado empresário, Peter Grant, o mesmo que viria ser peça fundamental para o Led Zeppelin.

A tentativa desesperada de fazer "Little Games" virar nos Estados Unidos o final de 1967 e começo de 1968 gerou uma série de ressentimentos dentro da banda. Os músicos tinham certeza que estavam dando tiro no pé e murro em ponta de faca. Decidiram extravasar no show do Anderson Theatre.

Relf cantou de forma desleixada durante quase toda a apresentação, despejando sua frustração no público hostil e confrontando o restante dos companheiros.

Page tentava segurar a onda, meio que tentando convencer Dreja a se envolver mais com o que estava rolando no palco. McCarthy, um baterista de blues correto, mas burocrático, parecia contar os minutos para o fim da apresentação.

Involuntariamente, o Led Zeppelin começou a nascer ali, com a versão suja e pesada de "I'm Confused", blues clássico que daria origem a "Dazed and Confused". Relf canta com raiva e impaciência, em uma versão mais acelerada do que o normal.

A instrumental "White Summer" era uma peça instrumental tímida de Jimmy Page, ainda um rascunho da versão monumental que viria a surgir nos shows do Led. E a versão faiscante de "Train Kept A'Rollin"' apresentada no início do show viria a inspirara Jeff Beck, Aerosmith e o próprio Jimmy Page anos depois.

Antes de morrer, o vocalista Keith Relf comentou em uma rara entrevista na Inglaterra que aquele show foi muito complicado, mas ao mesmo tempo tirou um enorme peso das costas dele.

No dia seguinte, literalmente a banda se dispersou. Relf se isolou no interior inglês para gestar no ano seguinte a primeira versão do Renaissance, ao lado da irmã Jane, cantora, e de McCarthy. Este também resolveu tirar um período sabático no interior antes de se juntar aos irmãos Relf. Já Chris Dreja, de tão desapontado e frustrado que ficou, mudou de profissão e se transformou em um sofisticado fotógrafo de moda e cultura.

Capa de um dos CDs piratas que registram a última apresentação dos Yardbirds, em março de 1968

Ainda em Nova York, naquele finzinho de março de 1968, Page e Grant decidiram criar o Led Zeppelin, ainda que não soubesses disso. Discutiram como fazer para cumprir uma série de datas na Europa naquele ano, em junho, julho e setembro, e concluíram que precisariam voltar para a Inglaterra para pensar no que fazer.

Foram meses de testes e ideias descartadas até que conseguissem fazer alguns shows em junho e julho com a última formação, como se estes estivesses fazendo um favor. Foram quatro apresentações melancólicas até que finalmente tudo acabasse em meados de julho de 1968, após a apresentação em um esvaziado Luton Technical Collage, na região metropolitana de Londres.

Sem banda e com compromissos na Escandinávia, Grant e Page tiveram de correr para improvisar o que chamaram de New Yardbirds.

O guitarrista pediu ajuda a um amigo dos tempos de estúdios em Londres, o multi-instrumentista e arranjador John Paul Baldwin. Este também estava cansado dos estúdios e já tinha trocado de nome para tentar emplacar em uma banda de rock, embora gostasse muito mais de jazz. E foi como John Paul Jones que embarcou na aventura de Page.

A ideia era ver se daria certo uma formação temporária dos New Yardbirds para os shows na Suécia e na Dinamarca dali a dois meses. Jones e Page se uniriam a dois moleques de 19 anos de Birmingham, que tinham impressionado Peter Grant em suas bandas de blues.

Os ensaios seriam em Londres, no estúdio caseiro que Page mantinha em um bangalô à beira do rio Tâmisa. Os moleques, Robert Plant e John Bonham, estavam tímidos no começo, mas depois de soltaram. E ali o Led Zeppelin nascia de fato, embora tenha sido concebido há 50 anos, no último show de verdade dos Yardbirds, em 30 de março de 1968.

 

 

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

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