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O inimigo do Estado somos nós

Combate Rock

16/03/2018 06h54

Marcelo Moreira 

FOTO: REPRODUÇÃO INTERNET

O recado é direto e inequívoco: nós somos o Estado. E assim a intervenção militar no Rio de Janeiro ganhou o seu primeiro cadáver ilustre.

O assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL), em uma provável execução na noite da última quarta-feira (14 de março), foi a declaração de guerra que tanto o governo Michel Temer queria. O inimigo agora está marcado e no alvo: é o povo. Somos nós.

Primeiro foi o fichamento e fotografias de moradores de favelas por soldados do Exército; depois, a truculência na revista de mochilas de estudantes, instrumentos musicais de músicos e figurinos de atores de teatro; em seguida, vieram as intimidações aos moradores do Acari, no Rio, tratados desde sempre como inimigos.

Por fim, a execução de Marielle Franco como o recado mais eloquente de que quem manda são as forças de segurança, que podem tudo e mandam em todo, e não toleram um segundo de contestação ou reclamação.

Marielle gritou e denunciou as atitides de intimidação dos policiais militares do 41º Batalhão da Polícia Militar, o que mais mata no Rio, na região do Acari. As denúncias foram feitas nos últimos três dias.

PMs aterrorizaram os bairros para exibir uma força que não têm, um poder que jamais terão. Denunciados por uma vereadora combativa e que tentava defender as principais vítimas da intervenção militar – a população pobre das favelas, composta em sua maioria por negros -, os novos "donos do poder" não tardariam a responder.

E agora? Como lidar com a repercussão internacional de uma das vozes contestadoras da militarização da vida no Rio?

A Polícia Militar do Rio segue um padrão clássico das forças de segurança pública no Brasil desde a implantação da ditadura militar, em 1964.

Desaparelhada, mal treinada e doutrinada com o que de pior os ensinamentos militares podem incutir, preocupam-se principalmente com a autopreservação, como qualquer unidade militar em um campo de batalha.

Sendo assim, tudo vira guerra e todos se transformam em inimigos perigosos. É assim nos estádios de fuutebol, nas manifestações políticas, na parada gay e na "segurança" dos blocos de carnaval que saem às ruas.

Em menor número e sempre na defensiva, as forças de segurança da PM, quando não são engolidas pela coorrupção, atuam em eventos nas quais desconhece, totalmente despreparadas e se escorando em todos os preconceitos possíveis.

Junte-se a isso o medo natural de ter de lidar com multidões, quase semrpe hostis, e temos uma situação em que a violência explode ao menor sinal de "perigo", na visão tosca e limitada dos policiais militares sem treinamento e com instrução suficiente.

O espírito corporativo e de autopreservação domina e a meta passa a ser eliminar todos os inimigos, que estão por todos os lados.

Essa formação belicosa da Polícia Militar e das Guardas Civis Metropolitanas explica a atuaçlão truculenta e vexatória das duas instituições na Câmara Municipal de São Paulo na mesma quarta-feira da morte de Marielle.

Professores e servidores públicos foram barbaramente espancados e agredidos durante uma manifestação, além de alvo de bombas e balas de borracha, ressaltando o medo e a falta de preparo de seus integrantes.

Portanto, nós somos o inimigo. E, como eu já havia mencionado em texto anterior, quando narrei a surreal abordagem a um músico em uma favela do Rio – queriam desmontar sua guitarra atrás de drogas -, pessoas contestadoras, diferentes e "alternativas", como artistas, músicos, professores, sindicalistas, educadores e muitas outras categorias são mais inimigos ainda, porque são "perigosos".

Essa gente é como Marielle Franco, que era "bocuda', ativista e lutava pela melhoria da vida das pessoas esquecidas pelo Estado e vítimas da violência de todos – dos governos, das polícias, dos traficantes, dos milicianos.

Marielle era perigosa porque denunciava as arbitrariedades de uma Polícia Militar que semrpe privilegiou o confronto contra os pobres, que sempre optou por subjugar a população, em vez de protegê-la.

Brigava pelo fato de os interesses do Estado frequentemente divergirem dos da população mais pobre. Em resumo, o Estado não protege quem luta pelos direitos humanos e pelo fim da violência.

Por mais que critiquemos muitas vezes a qualidade dos trabalhos de algumas bandas de rock cariocas que misturam sons de forma não muito ortodoxa, e que às vezes apelem para canções de nítido apelo pop, não dá para ignorar que muitas das letras que escreveram, neste momento, cravam como punhais quando novamente ouvidas por conta de suas premonições.

Ou melhor, previsões, embora quanto tenham sido compostas seus autores jamais imaginavam que a gravidade da situação extrapolaria os piores pesadelos.

Grupos como O Rappa, Detonautas e Confronto, em algumas vezes (muito mais a última banda) foram precisos e cirúrgicos ao lidar com a violência e o desgoverno na cidade e no Estado do Rio de Janeiro. Proféticos?

O cientista político Rodrigo Gallo, da FMU de São Paulo, em uma reflexão sobre a derrocada do Estado e a desatrada intervenção militar, expressa todo desencanto e desespero dos dias atuais, em texto publicado nas redes sociais:
"O pior de tudo é saber que tem gente, agora mesmo, nesse instante, defendendo um Estado policial militar difusor de violência contra cidadãos pobres, negros e moradores da periferia e as agressões a professores espoliados e agredidos pela barbárie das elites políticas e dos latifundiários do setor educacional privado. É saber que gente que eu conheço aprova violência contra professores, que aprova agressão contra trabalhadores grevistas e que defende a execução de indivíduos ligados a uma agenda social de defesa aos direitos humanos. Fora o bônus: aqueles que usam religião para justificar tudo isso! Não é só falta de empatia. É falta de humanismo."

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

Sobre o Blog

O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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