Intervenção, liberdade e as garantias para fugir das' exceções'
Marcelo Moreira
Decretação de intervenção militar, ainda que localizada, é uma medida de exceção. E o senso comum diz que situações excepcionais precisam ser tratadas com medidas de exceção.
Esse tipo de discurso soa como música para pessoas que têm pouco apreço pela democracia e pelo diálogo. A intervenção no Rio de Janeiro, decidida de forma veloz e sem qualquer tipo de análise aprofundada, gerou apreensão e euforia.
A apreensão é mais do que justificada, pois agride a lógica e o bom senso, para não dizer que não está caracterizada uma situação de total falta de controle.
Reportagens interessantes realizadas pelos mais diversos veículos explicitaram mais de uma vez que a situação do Rio já esteve muito, mas muito pior no final dos anos 80 e no final dos anos 90. Intervenção na segurança pública com tropas do Exército?
Para aqueles que ficaram eufóricos com a medida – nas redes sociais explodiram os pedidos para que tal medida seja estendida ao país inteiro (!!!!) -, "finalmente o mundo vai entrar nos trilhos, com as medidas necessárias para combater a bandidagem e acabar com a corrupção" (é sério, teve um imbecil que escreveu isso no Facebook).
Uma intervenção militar na segurança pública é uma medida tão extrema, mas tão extrema, tão excepcional, que geralmente só é utilizada em casos gravíssimos de destruição institucional, como guerra civil ou contra outros Estados, ou falência completa do poder público – financeira e politicamente.
Com o prefeito evangélico passeando no Carnaval e o governador sumido, a administração da cidade e do Estado do Rio de Janeiro não ficaram muito diferentes do que quando os dois dizem que estão trabalhando – dois locais abandonados, mal administrados e ineficientes na gestão pública e no combate à corrupção. O que justifica a medida asquerosa tomada pelo abjeto governo Michel Temer?
Com popularidade próxima de zero e dificuldades políticas imensas no Congresso e no dia a dia para aprovar até mesmo a compra de sabonete, o presidente da República deu um tiro no pé ao utilizar politicamente uma medida de exceção para desviar o foco de sua incompetência.
Se Temer tentou criar um fato para amenizar as críticas e problemas do projeto da reforma da Previdência, errou completamente. Aprofundou o fosso entre seu governo e o povo e acentuou a polarização que ameaça incinerar a claudicante democracia brasileira.
Pior, legitima as reivindicações de que mais medidas de exceção sejam tomadas em muitas outras circunstâncias. Ou seja, abre um precedente perigosíssimo para o intervencionismo desenfreado e descontrolado exigido pela direita raivosa e descerebrada que tanto despreza a democracia, os direitos humanos e qualquer tipo de diálogo.
Assanhados, militares começam a se manifestar de forma mais explícita. Primeiro, insistem em afirmar que segurança pública não é da alçada deles, para em seguida ameaçar veladamente que "missão dada é missão cumprida", ou seja, o Exército está em uma guerra e vai atuar desta maneira.
Em segundo lugar, aparece o mais grave da medida de exceção: "os militares precisam ter clara a sua situação jurídica para que não tenham de ser responsabilizados por suas ações".
Falando mais claramente, eis a declaração do general Eduardo Villas Bôas, comandante do Exército, dada nesta semana no Conselho da República, em Brasília: "é necessário dar aos militares garantia para agir sem o risco de surgir uma nova Comissão da Verdade", segundo texto publicado pelo portal G1.
A referência de Villas Bôas é ao fato de, depois da lei da Anistia, de 1979, ter sido criada Comissão da Verdade, durante o governo Dilma, que investigou casos de tortura e mortes durante o período da ditadura militar.
Então essa é a grande questão político-militar da intervenção? Dar carta branca e isenção total para o Exército atuar como bem entender, matando a torto e a direito sem que haja qualquer tipo de responsabilização penal para os solados e seus comandantes? Ou seja, 50 anos depois, os militares querem o direito de assassinar, torturar e desaparecer com quem quer que seja sem serem incomodados ou acusados?
Diante da própria inabilidade e inadequação dos militares para atuar na segurança pública, fato admitido pelos próprios comandantes, qualquer pessoa está sujeita à eventual violência arbitrária das forças de ocupação – só que agora de forma institucional e oficial. E essas forças ainda reivindicam isenção total de responsabilidade para fazer o seu "trabalho".
Não é preciso dizer quem será o alvo preferencial dessa "política" de segurança pública: o diferente, o contestador, o ativista, o favelado, qualquer tipo de marginal, seja ele criminoso ou não. Ficaremos então nas mãos de militares arbitrários que vão decidir o que é crime, o que é contravenção e a que tipo de autoridade estaremos submetidos?
Como agirão esses militares contra quem contestar suas atuações? Artistas, rappers, roqueiros, sambistas, funkeiros e ativistas estarão entre os alvos primordiais, não tenham dúvidas disso.
Por muito menos as polícias Civil e Militar no Rio e em São Paulo agem com truculência e arbitrariedade contra as pessoas que se enquadram nas categorias anteriormente citadas. Imagine então como serão as "abordagens" em tempos de medidas de exceção…
Desde o impeachment de Dilma Rousseff vivemos tempos difíceis, que ficaram a cada dia mais sombrios com os constantes ataques aos direitos humanos e às garantias trabalhistas, entre outras.
A medida de exceção no Rio e a consequente exigência de "isenção jurídica" são o precedente que parcela expressiva da sociedade brasileira esperava para expandir a sua "influência" antidemocrática, cada vez mais disseminada e presente, em especial nas redes sociais, povoadas de dejetos humanos sempre prontos a espalhar o ódio.
Por isso, não há como não exaltar o desfile de Carnaval da escola de samba carioca Paraíso do Tuiuti e um trecho de um editorial do site Jornalistas Livres: "O que a favela precisa na verdade é de uma intervenção social, que inclusive contaria com a participação das Forças Armadas. Precisamos de escolas e creches, hospitais, projetos de geração de emprego e renda e políticas sociais voltadas principalmente para juventude. Precisamos de uma intervenção que nos traga a vida e não a morte. O exército é uma tropa treinada para matar e atuar em tempos de guerra. As favelas nunca declararam guerra a ninguém."
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