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A censura chegou a Caetano Veloso: não nos iludamos, vai piorar muito

Combate Rock

01/11/2017 06h42

Marcelo Moreira

Caetano Veloso (dir.) conversa do vereador paulistano Eduardo Suplicy (PT) após ato na ocupação do MTST em São Bernardo. O cantor foi proibido judicialmente de fazer um show no local (FOTO: MARCELO MOREIRA)

Demorou menos do que esperávamos. Diante do que se pode considerar um "movimento social e político", a Justiça conservadora que atende aos caprichos de políticos fisiológicos e ainda mais conservadores barrou um evento cultural alegando "motivos de segurança".

E não tenhamos ilusões: nem mesmo um ícone da música brasileira, o cantor e compositor Caetano Veloso, escapa da sanha censora de gente incompetente e nociva à liberdade de opinião e expressão.

A marreta da censura atingiu Caetano quando ele se preparava para fazer um show gratuito e só com violão em São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo, na ocupação do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) no bairro Planalto. São quase 10 mil pessoas estabelecidas em um local vazio há mais de duas décadas.

A censura ao músico ocorreu a pedido do Ministério Público, mas sob incentivo do prefeito Orlando Morando (PSDB).

A Justiça acatou o pedido e proibiu o show, sob pena de multa diária de R$ 500 mil, alegando que o local da ocupação não tinha estrutura para receber um "artista de porte nacional e internacional como Caetano Veloso, cujas consequências poderiam ser imprevisíveis".

O despacho ainda mencionava que o simples fato do aparecimento de Caetano ao local poderia gerar um "afluxo incontrolável de pessoas ávidas por ver um show gratuito do artista".

Entre outras cretinices da decisão, essa foi apenas mais uma, já que o cantor, ao lado das atrizes globais Alinne Moraes, Letícia Sabatela e Sonia Braga, foi mesmo assim ao local da ocupação e fez um inflamado discurso no ato político.

As "milhares" de pessoas atraídas pela notícia do show foram mesmo assim e aplaudiram entusiasticamente o cantor, que deu uma breve palhinha a cappella (cantou sem acompanhamento de instrumentos). Tumulto? Nem de longe.

A questão é totalmente política e explícita: toda atividade progressista e de cunho social será cada vez mais combatida e restringida pelas forças retrógradas que tomaram conta do Brasil com ascensão do inominável Michel Temer à Presidência da República.

Como disse recententemente o dramaturgo José Celso Martinez Correa, do Teatro Oficina Uzyna Uzona, "hoje essa gente pensa que pode tudo e ignora leis e a Constituição".

Foi mais ou menos isso que Caetano Veloso mencionou em entrevista em São Bernardo, na hora em que foi embora da ocupação. "Foi a primeira vez desde a redemocratização que fui proibido de fazer um show, o que considero um precedente muito perigoso."

O Combate Rock já alertava para a escalada perigosa da censura às artes perpetrada por grupos conservadores e, por que não, fascistas, que se sentem livres e estimulados a estropiar os conceitos de liberdade de opinião, expressão, cultural e de imprensa.

Os ataques aos museus e a exposições de artes plásticas são só o começo. E a censura judicial a Caetano Veloso mostra que a sociedade está cada vez mais vulnerável – e o rock mais ainda, com sua característica vital e fundamental de contestação e de oposição.

A resistência ainda é tímida, restrita apenas aos meios culturais e alternativos, além de partidos e organizações de esquerda. A sociedade parece atordoada e anestesiada com a sequência de escândalos e com o agravamento da crise econômica, onde o desemprego é altíssimo

É claro que só isso não basta para justificar essa, digamos, "tolerância" a atentados pontuais, mas contínuos, às liberdades fundamentais da democracia, como a cultural e de expressão.

Aparentemente, aflora um sentimento de desilusão e frustração tão grande que mesmo gente antes sem nenhuma disposição para aturar bobagens fascistoides agora admite ao menos analisar de forma mais "criteriosa" alternativas que envolvam restrições de comportamento e de liberdades em troca de falas promessas de estabilidade e menos corrupção. Ou seja, a imbecilidade está avançando e tomando conta das mentes de cada vez mais pessoas que antes pensava, mesmo que fosse só um pouquinho.

A censura ao show de Caetano Veloso foi um atos mais vergonhosos da história recente do Brasil, uma nojeira tão asquerosa que é duro admitir que isso realmente ocorreu.

Muito mais grave é o fato de que a censura a um ícone da MPB é apenas uma sinalização: a coisa vai piorar, e muito.

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

Sobre o Blog

O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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