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Show do U2 em SP não é um passeio, é uma volta ao redor do planeta

Combate Rock

21/10/2017 18h05

 Mario Rocha* – publicado originalmente no site Roque Reverso

U2 em São Paulo, em 2017 (FOTO: DIVULGAÇÃO)

Minha estreia no Roque Reverso foi alguns anos atrás, quando comentei minha primeira vez num show do Bon Jovi. Falar do Bon Jovi, na verdade, é bem mais fácil porque a banda dele faz o básico. Um básico fodástico e arrebatador, é verdade. Mas o assunto é o U2. E o U2 é complexo. São muitas as mensagens musicais, tecnológicas, visuais, poéticas, políticas. Os caras fazem isso com profissionalismo e coração.

No filme "The Commitments", o personagem principal diz que os irlandeses são os negros da Europa. Pois é como um negro que o Bono canta.

Não apenas por causa da sua voz cortante, que atinge várias escalas e modulações, mas porque ele expressa um sentimento que vem do "guts", que nasce no centro da terra, invade o coração e a mente e explode em partículas no infinito. O cara é muito foda e canta pra caralho!

O show realizado em São Paulo no dia 19 de outubro foi dividido em três partes. Começou num palco pequeno no meio do público e sem uso do telão. Tocaram sucessos da banda, começando com "Sunday Bloody Sunday" num estádio iluminado de vermelho e chamaram o público pra dançar e cantar. Não poderia haver um início mais politizado. Emendaram com "New Year's Day", "Pride (in the name of love)", entre outras.

Depois, foram pro palco grande e lá iniciaram a viagem no tempo com as músicas do "The Joshua Tree". Este foi o nome do show, homenagem ao disco de mesmo nome lançado há 30 anos. Vieram  "Where The Streets Have No Name", "I Still Haven't Found What I'm Looking For", "With or Without You"… and so on.

O telão foi acionado (imenso, profundo, atemporal como o espelho da Alice), mostrando imagens em preto e branco de uma estrada cortando um deserto americano, aquele da foto da contracapa do vinil (Mojave Desert). Uma viagem ao passado musical da banda e às nossas experiências vividas ao longo desse tempo.

De emocionar. O U2 sabe brincar com nossa voz interior, sabe como despertar a humanidade que mantém viva a chama que nos move.

As imagens no telão mesclavam cenas de viagens, pessoas (entre elas, indígenas americanos e imigrantes de várias etnias que vivem nos EUA vestindo um capacete militar de guerra) com imagens captadas do show ao vivo. Imagens editadas em tempo real como se fossem um videoclipe, com sobreposições e outras parafernálias tecnológicas. Entre elas, a Joshua Tree em três dimensões. Sensacional.

Na terceira parte do show, tocaram uma sonzeira arrebatadora, com The Edge arrebentando na guitarra e enchendo nossos ouvidos, corpo e alma de uma energia destruidora no sentido de que é preciso quebrar tudo pra se renovar, pra exorcizar toda a caretice do mundo. "Beautiful Day", "Elevation"…

Por fim, uma homenagem às mulheres com discurso do Bono e projeção de fotos de mulheres de várias partes do mundo. Não faltaram as "mães da praça de Mayo", as "sufragetes" e as russas do "pussy riot". Mas teve também Angela Merkel e Hillary Clinton (argh…).

FOTO: REPRODUÇÃO/TWITTER

O show foi encerrado com a clássica "One", numa mensagem de que somos todos uma unidade. No telão, uma imensa bandeira do Brasil, que considerei uma cagada fenomenal porque ninguém por esses lados de cá anda com espírito patriótico.

O patriotismo no Brasil tornou-se, ultimamente, um refúgio dos canalhas. Nesse ponto, acho que o U2 foi mal assessorado em relação à atual realidade brasileira.

Por outro lado, em um dos vídeos projetados no telão, apareceu uma cena de um seriado americano dos anos 50 em que um personagem do velho Oeste dizia que iria salvar uma cidade construindo um muro. E era chamado de "mentiroso" pelos habitantes. O nome do personagem? Trump… foi o momento hilário de uma noite memorável.

Se não gostei da bandeira, o U2 não deu mole para os intolerantes que andam desfilando sua ignorância triunfante pelo nosso país. Num dado momento, na parte final do show, uma câmera colocada atrás do palco mostrou as costas do Larry. Na camiseta dele, uma inscrição em legítima língua portuguesa pra que todos pudessem ler: "Censura nunca mais."

Show do U2 não é um passeio. É uma volta ao redor do planeta.

* Mario Rocha é jornalista

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

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O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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