Após shows memoráveis, The Who lança dois pacotes de CDs e DVDs ao vivo
Marcelo Moreira
Houve um tempo em que a saída para a crise criativa passa por duas alternativas: um disco ao vivo ou um acústico. Depois, uma terceira apareceu, que foi a regravação de hits antigos.
Com argumentos de "relevância artística" e "nova visão do próprio trabalho", os artistas escamoteavam e tentavam enganar os incautos sobre as reais motivações para tais lançamentos.
Hoje isso nem é mais preciso: as bandas escancaram seus baús e raspam tudo o que é possível, de sobras ridículas e impublicáveis de estúdio a toneladas de shows ao vivo.
É o caso de The Who, que acabou de fazer shows maravilhosos pela América do Sul em setembro. Enquanto encantava por aqui, a banda colocava no mercado dois combos registrando apresentações recentes e nem tão recentes.
Há uma semana foi lançado o pacote CD-DVD-Blu-Ray "Tommy – Live at Royal Albert Hall", show gravado em 1º de abril em Londres com mais uma releitura na íntegra da famosa ópera-rock lançada originalmente em 1969.
A qualidade do material é de primeira, gravado com câmeras HD de altíssima fidelidade e com uma edição ágil e bem feita. A questão é: era necessário?
"Tommy" e a outra ópera-rock, "Quadrophenia", viraram muletas para os projetos especiais da dupla remanescente, Pete Townshend e Roger Daltrey.
Entre 2012 e 2013, The Who empreendeu uma turnê pelos Estados Unidos e pela Europa executando na íntegra "Quadrophenia", de 1973, para comemorar os "40 anos de lançamento da ópera-rock". Claro que virou CD e DVD, lançados em 2015.
A diferença é que a nova gravação de "Tommy" foi realizada especialmente para esse fim, virar CD e DVD. O local é mais do que adequado, pois é um dos templos mundiais da música e do teatro. Fez parte de uma série de concertos beneficentes em prol da Teenage Cancer Trust, entidade apadrinhada por Daltrey que apoia crianças e adolescentes com câncer.
Em 1989, quando a banda anunciou a sua volta após sete anos de separação, o mote foi a comemoração de 20 anos da chegada de "Tommy" às lojas.
À época, The Who, que ainda tinha o baixista John Entwistle (morto em 2002), encarou uma longa turnê norte-americana com uma penca de músicos de apoio, que incluíam um baterista contratado (Simon Phillips), um tecladista, guitarrista adicional, percussionista e um naipe de metais, além de alguns convidados especiais em duas datas, como Patti LaBelle, Phil Collins, Stevie Winwood e Billy Idol.
No show de 2017, gravado em abril, a performance foi impecável, e com a mesma banda que veio ao Brasil – além de Townshend e Daltrey, o guitarrista Simon Townshend, o baterista Zak Starkey, o baixista Jon Button e os tecladistas, Frank Simes, Loren Gold e John Corey. Foi um show mais conciso e direto, sem firulas.
O outro pacote que chegou mais discretamente ao mercado foi "Live at the Isle of Wight", que é o registro de um megashow realizado no festival da Ilha de Wight de 2004.
Este show, lançado em CD-DVD-Blu-Ray, é mais interessante em termos artísticos e históricos. Foi a primeira turnê de verdade sem a presença de Entwistle, que morrera dois anos antes em Las Vegas, nos Estados Unidos, na véspera do início da turnê norte-americana.
Ele acabou substituído por Pino Palladino de última hora, e a turnê acabou continuando em clima de velório e com mudanças importantes, meio aos trancos e barrancos.
Em 2004, bem mais azeitada e com Palladino firmado como músico oficial da banda de apoio, o Who ressurgiu mais afiado e com um repertório um pouco modificado em relação ao que eles sempre fizeram.
Para começar, tem o atrativo de a banda incluir na lista de música duas músicas inéditas, as primeiras compostas especialmente para a banda desde 1982: "Real Good Looking Boy" e "Old Red Wine", esta em homenagem a Entwistle.
Vale lembrar que o Who se reuniu em 1988 para gravar duas músicas especialmente para o álbum solo de Townshend daquele ano, "The Iron Man": "Dig" e a incendiária versão de "Fire", de Arthur Brown.
Outras boas surpresas desse CD/DVD são as inclusões de músicas até então raras no repertório, como "Eminence Front" e a fantástica e pesada "The Punk Meets the Godfather", da ópera-rock "Quadrophenia", e clássicos que acabaram ofuscados por conta de um set list gigantesco, como "Naked Eye" e "Magic Bus".
Não se discute a qualidade das obras lançadas, mas sim a sua conveniência e necessidade. Vá lá que a nova versão de "Tommy" tem um caráter beneficente, mas ainda assim fica difícil afastar as desconfianças de que se trata de um oportunismo mercadológico em um momento em que a banda está terminando a última turnê de sua carreira.
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