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Sucesso do Rock na Praça é oásis em um deserto de ideias e de inovação

Combate Rock

21/09/2017 06h43

Marcelo Moreira

Colaborou Renato Maia

Público lotou mais uma vez o Rock na Praça, na rua 24 de Maio (FOTO: DIVULGAÇÃO/EDU LAWLESS)

 

O ponto definitivo do rock em São Paulo é a Galeria do Rock. Se isso é muito mais do que óbvio, agora ficou ainda mais com a realização da quinta edição do Rock na Praça, na rua 24 de maio, bem ao lado do do símbolo roqueiro da capital paulista.

Muito calor e muita gente, mas com uma organização que foi elogiada por todos. Mais de 5 mil pessoas estiveram no local para mais de oito horas de rock pesado, em um evento gratuito que demorou demais para ser realizado novamente – mais de um ano depois da última edição.

Em um momento em que o rock está cada vez mais desidratado – em todos os sentidos -, o Rock na Praça traz um pouco de alento para uma cena que se ressente da falta de locais para tocar e de um público interessado em rock autoral.

Por que as pessoas saem de casa e passam o dia inteiro em um festival gratuito no centro da cidade em pleno domingo e não comparecem a outros eventos do gênero na cidade ou na Grande São Paulo.

O bom tempo e a gratuidade não explicam por si só as mais de 5 mil pessoas. Em conversa com amigos no backstage, o músico e publicitário Fabricio Ravelli, organizador e mentor do projeto, estava exultante com os bons resultados e ressaltava que o público hoje, mais exigente, valoriza a boa organização.

É um ponto de vista interessante, e que faz sentido, mas também não basta para explicar a imensa distância entre o sucesso do Rock na Praça e demais eventos espalhados pela cidade, pagos ou gratuitos.

"O público mudou demais nos últimos anos e a maioria dos artistas ainda não percebeu isso. As bandas ainda se preocupam em gravar músicas e se comportar como se estivessem nos anos 90, e a molecada hoje não reconhece mais esse esforço, não está nem aí para a valorização dos artistas. Eles riem quando veem banquinhas vendendo CDs e camisetas", avalia Marcelo Marques Filho, professor de geografia da rede pública estadual e mestrando em sociologia – e baterista de rock nas horas vagas.

Para ele, o público hoje tem muito mais opções, quase todas sem custo algum, e está muito mais exigente. "Tudo está mais fácil de adquirir, o acesso banalizou, de certa forma, o custo e a importância da arte em geral. Meus alunos se recusam a pagar ingresso para ir ao Masp (Museu de Arte de São Paulo) para ver obras que eles podem ver pela internet. Para esses caras, é tudo a mesma coisa. Para tirá-los de casa, só se for algo muito grandioso, que valha a pena", diz Marques.

E por que então essa "galera" saiu de casa e decidiu lotar o Rock na Praça? O professor evita uma conclusão fechada, mas arrisca palpites. "Todas as edições do Rock na Praça mostraram boa organização, acima da média e com bandas variadas. É um minifestival que acontece em um lugar aberto e que permite a circulação livre pelas ruas, não é cercado, e tem certa segurança. Além disso, oferece comida e bebida baratas, o que conta demais."

A facilidade de acesso também conta muito, é claro, mas outros eventos pela cidade também ofereciam pacotes semelhantes aos do Rock na Praça, e não tiveram, nem de longe, o mesmo sucesso.

Talvez ainda seja cedo para buscarmos explicações determinantes para o comportamento atual do público e para o evento bem-sucedido no centro da cidade. Entretanto, chama muito a atenção a discrepância entre o comportamento dos roqueiros que ocupam o centro.

"Aqui a gente faz o que quiser e não fica confinado. A polícia fica longe e não tem tretas. É um divertimento barato, mas não tenho muito interesse pelas bandas, embora o som seja pesado", diz uma garota alta, magra e ruiva, com um cigarro na mão e alegados 18 anos.

Mariana, como se identificou, se recusa a pagar para ir a shows ou a qualquer evento artístico. "Música é só um pretexto para encontrar os amigos e sair para zoar. Só escuto rock, mas no celular. Nem rádio eu ouço. A música que eu quero não toca neste palco aqui ou em emissoras de rock de merda."

Pelo menos outros cinco jovens, entre 15 e 25 anos, deram depoimentos na mesma linha. Ou seja, então temos uma pequena amostragem de um público conservador, acomodado, desinformado, desinteressado e sem estímulo para adquirir mais conhecimento ou mesmo um entretenimento um pouco mais sofisticado.

Aí vem a grande questão: qual é a música que você quer ouvir? Mariana e os outros consultados não conseguem responder sem enfileirar uma sucessão de clichês supostamente anarquistas e niilistas: "Não pode ser comercial", "tem que emocionar", "tem que ser agressiva e dizer alguma coisa", blá blá blá.

A amostra é pequena, mas permite vislumbrar um comportamento que se disseminou dentro de uma parcela significativa da juventude que supostamente gosta de música e rock neste século: desprezo aos trabalhos autorais e pouco respeito pela cultura.

Iniciativas como o Rock na Praça são oásis em meio à aridez de um deserto de novas e boas ideias que estimulem a cultura e o trabalho musical autoral. Pena que existam cada vez menos opções fora do cobiçado circuito Sesc ou do incentivo financeiro (direto ou indireto) do poder público.

Com isso, as coisas ficam bem desoladoras, como bem disse o versátil baixista Stefano Moliner, do ABC. "Conversando com vários amigos músicos, de todos os calibres, a constatação que fica é que essa é a pior época desde muito tempo para trabalhar com música. Faltam bons lugares para tocar, o público diminuiu e o panorama econômico não ajuda."

Shows

Tudo conspirou para que o evento fosse bem-sucedido e todo mundo se divertiu, principalmente as bandas. O Made in Brazil continua celebrando os 50 anos de existência e mostrou o porquê de o rock ser universal e apaixonante: descontração, festa e muita animação com uma série de clássicos, entre eles "Paulicéia Desvairada" e "Minha Vida é Rock'n'Roll".

O Voodoopriest estremeceu o Centrão com um a porrada sonora desacorçoante. É metal na veia e na cabeça, com a fascinante história do líder indígena Mandu contada em suas músicas.

Válvera e Kamboja mostraram força e contundência em apresentações de boa qualidade, com músicas em português e muito peso, surpreendendo boa parte do público que não os conhecia. Trayce e Armahda fizeram apresentações corretas, mas não empolgaram tanto, assim como o pouco conhecido Eutenia o esforçado Attractha.

Com um saldo extremamente positivo, os organizadores do evento já começaram ali mesmo, ao final do evento, a pensar na próxima edição.

 

 

 

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

Sobre o Blog

O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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