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Livro resgata a alma transtornada de Ian Curtis, o cantor do Joy Division

Combate Rock

12/09/2017 06h44

Marcelo Moreira

Eram garotos como todos os outros que amavam o punk, mas que queriam ir além, ainda que seu genial e genioso vocalista fosse, de certa forma, um entrave. E, até certo ponto, conseguiram ir além, por mais que tivessem de mudar os planos e seguir por outros caminhos.

Faz 40 anos que uns garotos que pareciam enfezados, mas que apenas era um pouco desnorteados, começaram a recolocar a cidade inglesa de Manchester no panorama do rock.

Meio que sem saber o tamanho do estrago que estavam fazendo, perceberam que o punk era um ataque, mas não o fim – exceto para o vocalista, que enxergava o fim em quase tudo.

Em 1977, o Warsawa começava a se firmar depois do encontro do aspirante a cantor Ian Curtis com o baixista Bernard Sumner e com o baixista Peter Hook – logo em seguida chegaria o baterista Steve Morris.

No final do ano seguinte, já como Joy Disivion, a banda quase estouraria mundialmente, se não fosse pelo errático, excêntrico e doente Ian Curtis.

Essa história do quase estouro do Joy Division, uma das bandas cult mais cultuadas dentro do rock underground, é descrita com paixão, ressentimento e resignação por Deborah Curtis, a ex-mulher do vocalista, em uma obra interessante publicada pela editora Ideal em português, "Tocando a Distância – Ian Custis e Joy Division".

A edição brasileira da obra escrita em 1995 teve uma tradução excelente do jornalista José Julio do Espírito Santo e uma edição caprichada em português com todas as letras escritas por Ian Curtis (com suas respectivas traduções), além de composições inéditas e trechos de letras inacabadas.

O livro foi editado em 2014 e foi reeditado no ano passado – e merece uma nova tiragem, já que é possível falar que os 40 anos do Warsawa é uma efeméride importante.

Por um lado, a obra da Deborah Curtis é um pouco decepcionante porque não entrega o que promete no título – o Joy Division acaba sendo coadjuvante de uma história de amor adolescente mal resolvida, pois o que norteia a narrativa é a investigação da personalidade errática, difícil e fora do comum de Ian Curtis.

Deborah procura explicações para as dificuldades conjugais e de comunicação do vocalista em detalhes da vida em comum e na obsessão dele em se tornar um rockstar.

Corajosa e persistente, a autora resiste em atribuir à epilepsia, diagnosticada por volta 1977, como causa do comportamento instável do marido.

Juntos desde os 16 anos de idade, Deborah enumera diversos fatos que muito mais tarde identificaria como bipolaridade. De famílias de classe média baixa, o casal resolveu casar em 1975, aos 19 anos – ela seis meses mais nova.

Sempre em empregos mal remunerados, embora nunca desempregados, os dois tiveram ajuda preciosa dos pais, especialmente quando Natalie, a filha do casal, nasceu em 1979.

O problema é que a grana era pouca, a banda, já chamada de Joy Division, solicitava muito, mas pagava quase nada. Para temperar as coisas complicadas, viera os frequentes ataques epilépticos, muitos antes de shows – ou ao final deles.

Se entrega menos do que promete em relação ao Joy Division, a obra é um relato seco, corajoso e franco sobre a vida de Ian Curtis e sua escalada para virar uma estrela, interrompida pela total instabilidade emocional, pela depressão profunda e pela doença, com direito a um relacionamento extraconjugal com uma garota belga que aprofundou os problemas psicológicos do cantor.

Deborah não é condescendente e não busca culpados para o suicídio de Curtis em maio de 1980, dois dias antes da primeira turnê norte-americana. Ela é bem seca e sucinta ao narrar aquele final de semana em que o já ex-marido pediu para passar a noite vendo televisão no então ex-lar do casal.

Na manhã seguinte, um domingo, Deborah, que dormira na casa dos pais após uma noite de trabalho como garçonete em um clube noturno, encontrou Curtis enforcado na cozinha com um varal de roupas.

Ian e Deborah no carro instantes depois de casarem, em 1975 (FOTO: ARQUIVO PESSOAL/DEBORAH CURTIS)

Ian Curtis morreu aos 23 anos de idade e entrou, com sua morte, para o panteão dos ídolos cult que se foram cedo, mas não está no primeiro time dos gloriosos mortos do rock que viraram lendas, como Jim Morrison ou Kurt Cobain.

Letrista de qualidade acima da média com momentos muito inspirados, como a bela "Love Will Tears Us Apart", ajudou a apontar um caminho que avançava em relação ao punk que expirava no ano de 1980 – para muitos críticos, "Closer", o segundo álbum da banda, lançado naquele ano, é uma obra-prima e já anunciava o que veio a ser chamado de pós-punk.

Deborah Curtis foi igualmente seca ao analisar a obra do Joy Division e sobre a importância da obra do ex-marido, mas reconheceu a importância e sua qualidade, tomando emprestadas várias expressões e análises de jornalistas amigos.

Infelizmente, a amargura e o ressentimento permeiam toda a obra, e a autora não esconde que, apesar dos oito anos de convivência, Curtis era quase um estranho para ela, como demonstrado nas reclamações de que pouco ou nada sabia a respeito do processo de composição do ex-marido.

Isso fica emblemático com a queixa de que Ian não mostrou a fita cassete com "Closer", que viria a ser lançado meses depois – em julho de 1980, um mês após a morte de Curtis e com o Joy Division praticamente extinto, com os remanescentes criando o New Order no ano seguinte.

"Ele chegou a levar a fira para casa, me disse o que continha alguns dias depois. Como não tínhamos um aparelho para reproduzir a fita cassete, simplesmente não ouvi e ele não fez questão nenhuma de que eu ouvisse, nunca foi atrás de um aparelho. Depois fiquei sabendo que alguns poucos ouviram, inclusive a amante, Annik Honoré. Pelo que me lembro, comprei tempos depois o álbum ou alguém mostrou, e aquelas músicas eram completamente estranhas para mim", escreveu a autora.

 

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

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O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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