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Ódio racial instiga a supressão de conteúdo artístico e crava uma derrota da sociedade

Combate Rock

18/08/2017 06h23

Marcelo Moreira

Manifestantes supremacistas e nazistas em Charlottesville, nos Estados Unidos (FOTO: REPRODUÇÃO DE TV)

Um dos grandes temores que o terrorismo provoca nas sociedades livres é a de mudança de hábitos – disseminando o medo e o terror, obriga as vítimas a mudar o seu comportamento, levando à autocensura e cancelando eventos que possam soar "provocativos", por exemplo. Quando isso ocorre, o terror vence.

A mesma tática é usada por grupos que insuflam o ódio sem necessariamente recorrer ao terror – como os nojentos supremacistas e nazistas de Charlottesville, nos Estados Unidos.

Quando essa gente impõe suas "ideias" pela força e muda, de alguma maneira, o comportamento da sociedade e das autoridades, eles conseguem, de certa forma, uma vitória contra o bom senso e a democracia – afinal, é antidemocrático proibir a livre manifestação ou a livre expressão?

O maior dilema da democracia em todos os temos é o fato de como lidar com forças que usam a própria democracia para destruí-la. Ou não foi isso o que aconteceu na Alemanha com a ascensão dos nazistas ao poder, em 1933?

A decisão do Spotify de banir músicas que estimulem o ódio é um exemplo perigoso de como é delicado tratar do tema.

A empresa, maior empresa de streaming de música do mundo, informou nesta quarta (16) que removeu de seu acervo bandas que promovem discurso de ódio.

A plataforma, que não divulgou os removidos, usa como parâmetro uma lista organizada pela ONG Southern Poverty Law Center com artistas que disseminam temas relacionados ao racismo e ao nazismo em suas músicas.

À primeira vista, dentro de uma visão politicamente correta, parece uma medida acertada, já afeta conteúdo que explicitamente faz apologia da violência, do ódio, do preconceito e da discriminação. Como empresa privada, tem esse direito sem que seja acusada de praticar censura.

Mas questão que fica, e que preocupa, é justamente a lista de motivos que levaram o Spotify a tomar essa decisão. Até que ponto a disseminação livre de conteúdo sofre com essa medida? Se outras empresas tomarem a mesma decisão, como fica o conceito de arte livre, de direito de manifestação? Qual é a base que foi usada para considerar ilegal o conteúdo das músicas apontadas? Afinal, quem decide o que é ofensivo ou não, qual música e qual artista estimula o ódio? O código penal de qual país servira de base para que se estabeleça quem ou qual conteúdo está infringindo a lei?

A decisão, se é correta e elogiável à primeira vista, joga uma série de questões éticas e até morais na forma de como se aborda o tema e sobre quais conteúdos devem ou não ser banidos. Qual opinião vai prevalecer na definição do que tem de ser eliminado dos serviços de streaming?

Independentemente da discussão, o simples fato de estarmos falando sobre isso é uma vitória para os grupos que promovem de todas as maneiras o ódio e ideologias que pregam a discriminação, o preconceito e a violência contra as minorias.

Esses grupos mostraram poder de mobilização e que podem incomodar, forçando empresas como Spotify a tomar providências de excluir conteúdo, algo que até há pouco tempo era impensável neste século XXI.

Em circunstâncias normais, tais conteúdos seriam simplesmente ignorados e desprezados, e provavelmente enterrados no subsolo mais profundo com o tempo.

No entanto, esses conteúdos estão incomodando porque estão reverberando, estão encontrando ouvidos e mentes dispostos a dar-lhes crédito.

Até que ponto esse é um perigo real a ponto de obrigar empresas de que disseminam conteúdo terem de praticar uma "autocensura" a fim de tentar estancar a escalada do ódio?

Sejam quais forem as múltiplas respostas para as questões expostas aqui, está claro que nós sofremos uma derrota desagradável com o ressurgimento do supremacismo racial.

 

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

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O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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