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Mestre Phil Collins, enfim!

Combate Rock

07/08/2017 06h19

Mauricio Noriega* – publicado originalmente no blog Uns Contos

Phil Collins se apresenta em Colônia, na Alemanha (FOTO: MAURICIO NORIEGA)

O ano era 1977. Prestes a completar dez anos, eu era um ouvinte de música ainda comandado pelo que meus pais escutavam e o que as rádios propunham. Meu primeiro show tinha sido Benito de Paula, em Poços de Caldas, alguns anos antes. Claro, com meus pais. As primeiras melodias que me chamavam a atenção chegavam através de Skyline Pigeon, de Elton John, enorme sucesso no Brasil naqueles cinzentos anos 70.

Certo dia, ainda hipnotizado pelas imagens da primeira TV a cores da família, uma valente Telefunken de seletor manual de canais, fui hipnotizado por outra melodia. O comercial anunciava um disco e uma turnê pelo Brasil de uma banda de rock. Hoje sei que o refrão, cantado por uma voz quase em falsete, muito afinada, era "Ripples never come back".   Descobri com amigos do bairro que o Genesis, uma das mais populares bandas de rock progressivo do período, estava para se apresentar no Brasil. O anúncio era de uma coletânea da gravadora Som Livre, chamada Genesis In Concert, que ajudava a promover a turnê, que fazia parte do extinto Projeto Aquarius.

Em 1978 chegara o tempo dos saudosos bailinhos de garagem. Música lenta, nervosismo, timidez. Outra melodia capturava meus ouvidos e milhões de outros. Era a mesma voz, agora num estilo diferente, com mais suíngue. "Follow You Follow Me". Era eu um fã devidamente convertido pela música do Genesis.

1981 traria aquela voz em outra dimensão. As rádios especializadas em rock começavam a espalhar uma canção quase minimalista, de clima sombrio e cujo clímax acontecia com uma poderosa e impactante entrada de bateria. "In The Air Tonight".

Com o tempo e algum dinheiro no bolso passei a pesquisar e colecionar tudo que era lançado sobre Genesis, Phil Collins, Peter Gabriel e o universo daquela banda e seus artistas. Sempre tive preferência sobre o Genesis de Collins ao de Gabriel. Mais melódico, menos hermético, mais groove e menos pompa. Alguns dos melhores momentos da banda são com Collins ao microfone – ele sempre esteve à frente da bateria em estúdio e revolucionou o instrumento, influenciando gente como Neil Peart, Taylor Hawkins, Mike Portnoy e Brann Dailor, por exemplo. Gosto do Genesis com Gabriel e de muita coisa da carreira solo de Peter, mas Collins está em outro patamar para mim.

Os anos 80 foram tomados de assalto pelo som de bateria de Collins, seus sucessos com o Genesis, carreira solo, as produções para Eric Clapton, Robert Plant, Frydda do Abba, Philip Bailey e muitos outros. Onipresente era pouco.

Em 1977 eu não tinha idade para ira ao Ibirapuera ver o Genesis e seus efeitos de laser que são lembrados até hoje. Nos anos 80 e 90 não tive opção de vê-lo ao vivo. Em 1992, enquanto trabalhava na cobertura de Barcelona, consegui ingressos para o show do Genesis em Madri com um colega espanhol. Não tive tempo de pegar trem ou avião pela carga de trabalho. Alguns anos depois, Collins viria ao Brasil em turnê solo, mas terminou cancelando, embora tenha tocado no Chile, Peru e Argentina.

Phil Collins se apresenta em Colônia, na Alemanha (FOTO: MAURICIO NORIEGA)

Em 2007 decidi que era hora e oportunidade. Turnê de reunião do Genesis. Fui a Chicago e realizei parte do sonho. Vi "Ripples" ao vivo, vi Collins tocando bateria ainda com maestria, um show tecnicamente perfeito.

Dez anos depois surge a oportunidade. Um combalido Collins retorna aos palcos. Já não pode mais tocar bateria e mal consegue caminhar. Era o momento do fã prestar o devido tributo ao ídolo. Convenci minha Isabel a me acompanhar. O planejamento deveria incluir uma ida à Rússia a trabalho. Conseguimos ingressos para 14 de junho, na Lanxess Arena, em Colônia. Antes de viajar fui acompanhando vídeos dos concertos que ele fazia. A voz melhorando a cada ato, a banda afiada como sempre, o filho de 16 anos dando suporte ao pai na bateria.

Antes, um susto. Phil cai no quarto de hotel em Londres e é levado ao hospital, tendo que adiar dois shows. Vamos com fé, explorando a história e a fantástica cerveja Kolsch de Colônia.

Chega o dia. Uma caminhada de uns dez minutos até a Lanxes, hotel escolhido a dedo.  Nosso show seria o terceiro de uma série de cinco, após um dia de folga. Compramos camisa e cervejinha Kolsch para curtir.

Phil adentra o cenário caminhando apoiado por uma bengala, aplaudido de pé por cerca de 20 mil pessoas. Abre o show sozinho, com uma cortina translúcida. Os primeiros acordes de "Against All Odds" enchem o recinto. A voz é inconfundível. O efeito de luz mostra, na penumbra, o filho Nicholas na marcante entrada da bateria e o ginásio está nas mãos do artista.

Ele e banda entregam um show de absoluto profissionalismo e carisma. O catálogo é covardia. Duas canções do Genesis são apresentadas. "Invisible Touch", com um irresistível arranjo de metais e ela, "Follow You Follow Me", a canção que Isa e eu adotamos como nossa. Eu tinha visto Phil cantar tocando batera em 2007. Via agora o ídolo cantando sentado em uma cadeira dessas de executivo, apoiado por imagens em telão do Genesis. Tocante, marcante.

O show passa muito mais rápido do que gostaríamos. "Easy Lover" traz a Lanxess Arena abaixo. Sem falar em "In The Air Tonight", que já é quase um ato religioso em shows de Collins.

Há no ar um clima de intimidade e  parceria. Os fãs leais como sempre. O artista expondo sua fragilidade física e suas limitações com rara honestidade. O baterista genial e de incríveis rapidez e precisão não existe mais. A voz ainda segura canções no tom original, mas o cantor precisa domá-la e dosá-la em algumas situações. É quase uma comunhão entre palco e platéia.

Vou embora com a sensação do dever e do sonho cumpridos. Isabel se arrependeu de não ter ido em 2007 e agora sente-se até mais fã do que eu em 2017.

Caminhamos de volta ao hotel na noite segura e calma de Colônia. As ruas tomadas por fãs de todas as gerações, camisas expondo o orgulho. Paramos no bar do hotel e pedimos duas Kolsch geladíssimas. Brindamos a Phil, ao Genesis, aos fãs, à música e à vida.

Vida longa ao mestre Philip David Charles Collins!

* Mauricio Noriega é jornalista do SporTV

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

Sobre o Blog

O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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