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Roger Waters soa repetitivo em novo álbum, mas agrada pelo conceito e pelas letras

Combate Rock

25/07/2017 07h00

Marcelo Moreira

A música é claustrofóbica, densa, difícil. O cantor-compositor-instrumentista faz esforço para tornar as coisas muito mais difíceis. Cada vez mais politizado e sem precisar ficar se explicando, o autor vai fundo, mantém o clima soturno, ainda que com letras de ótima qualidade.

"Amused to Death" foi um dos grandes álbuns de rock lançado em 1992, com um conteúdo de peso e, para muitos fascinante, com o tempero da guitarra cristalina e maravilhosa de Jeff Beck em algumas faixas.

E então eis que, como se houvesse uma dobra temporal que nos transportasse para 25 anos além, partimos daquele ponto para que tenhamos uma espécie de "continuação".

Roger Waters, baixista e vocalista do ex-Pink Floyd, manteve-se bastante ocupado no período entre seus últimos discos solo, mas será que as constantes turnês comemorativas solo com material de "The Wall", do Pink Floyd, exauriram a criatividade do músico de 74 anos?

"Is This the Life We Really Want?" foi lançado há pouquíssimo tempo com certo estardalhaço, e não emplacou.

Fechando os olhos e sem qualquer informação adicional, poderíamos tranquilamente imaginar se tratar de uma sequência de "Amused to Death", lançado um ou dois anos depois.

Estilisticamente e sonoramente, o álbum de 2017 vai na mesma pegada do antecessor de 25 anos atrás: clima soturno, arranjos delicados, mas contundentes, e guitarras etéreas e cirurgicamente colocadas, tudo envolto em uma névoa claustrofóbica e asfixiante.

Claro quer tudo faz parte do show, desde as letras pesadas e cáusticas, exalando críticas e habilidosamente espetando os desafetos políticos, até o vocal versátil e profundo acentuando a sensação de angústia em algumas faixas.

O problema é que o clima de déja vù permeia toda a obra. Tudo remete a "Amused to Death", com seus maneirismos e clichês, embora este seja um álbum muito legal.

Plágio de sim mesmo? Waters resvalou neste abismo, ainda que tenha se esforçado para dar uma "ajeitada" no som vintage que aparentemente quis impregnar no novo CD. A questão é até quando o gênio floydiano vai insistir na fórmula restrita e estreita.

"Amused to Death" já era uma tentativa, em termos estilísticos, de resgatar a fossa e o drama contidos na última obra do Pink Floyd contando com Waters e o guitarrista e vocalista David Gilmour, "The Final Cut", de 1983 – o baterista Nick Mason toca no álbum, mas o tecladista Rick Wright não.

O primeiro álbum solo de verdade de Waters, "The Pros and Cons of Hitch Hiking", do ano seguinte, veio como um sopro de criatividade, com canções mais acessíveis e com um bom humor surpreendente, com fina ironia temperada pela guitarra blues de Eric Clapton.

"Radio K.A.O.S.", de 1987, já vislumbrava o que viria a ser "Amused to Death", mas era radical em sua proposta lírica e abusava de um som que flertava com ritmos e elementos eletrônicos.

O mergulho nas trevas e no drama que permeou "The Final Cut" rendeu um grande álbum em 1992. Sua força aparentemente foi tamanha que Waters não se libertou dele 25 anos depois.

Por mais que haja certa decepção pelo autor ser repetitivo, "Is This the Life We Really Want" é um trabalho de qualidade boa, principalmente nas letras bem construídas e nos "monólogos" que Waters entoa.

A produção de Nigel Godrich (Radiohead, Paul McCartney, Beck, U2), um acerto para o tipo de sonoridade requisitada pelo ex-Pink Floyd.

A atmosfera questionadora sobre a onipresença da televisão dos anos 90 foi substituída por um clima de incerteza em relação ao futuro por conta da velocidade estonteante dos avanços tecnológicos na vida moderna, um assunto do qual o músico se orgulha em ser expert.

"Smell the Roses" é o primeiro single e a única música a fugir de seu padrão usual, com uma levada mais rock e um astral mais positivo.

"Wait for Her", escrita por Roger Waters e inspirada por uma tradução inglesa de um autor desconhecido, exacerba a melancolia, mas de uma forma terna, quase romântica.

Outros destaques são "Broken Bones" e "The Last Refugee", que trazem o melhor em termos lírios em relação à política internacional. As críticas são ácidas e pesadas, bem ao estilo de Waters.

Tocam no álbum os seguintes músicos, além de Waters no baixo: Nigel Godrich (arranjo, colagens de som, teclados, guitarra), Gus Seyffert (baixo, guitarra, teclados), Jonathan Wilson (guitarra, teclados), Joey Waronker (bateria), Roger Mannning (teclados), Lee Pardini (teclados) e Lucius (vocais) com Jessica Wolfe e Holly Proctor.

 

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

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O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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