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Blues carioca em alta: a força de Big Gilson e a magia de Flávio Guimarães e Netto Rockfeller

Combate Rock

20/07/2017 06h24

Marcelo Moreira

O blues no Brasil praticamente nasceu em São Paulo, mas explodiu no Rio de Janeiro. A frase foi ouvida lá longe, em um festival de blues no Sesc Pompeia, na zona oeste da cidade, com o indefectível sotaque carioca, uma boa gargalhada.

Ninguém sabe quem proferiu tal "máxima", mas muita gente a leva bem a sério. A concorrência SP-Rio começou há mais de 30 anos, com André Christóvão  e Nuno Mindelis "destruindo" com as suas guitarras na terra da garoa, enquanto que Blues Etílicos e Big Allanbik faziam frente ao samba na Baía da Guanabara.

Três décadas depois, o Blues Etílicos ainda está por aí, e legou uma carreira solo de alto nível ao gaitista Flávio Guimarães.

O Big Allanbik não resistiu ao tempo, sem falar em duas tragédias que abateram o grupo, mas nada conseguiu parar o guitarrista Big Gilson, um dos músicos que mais exalam paixão e comprometimento com blues.

Gilson Szrajbman é um carioca pacato e tranquilo de 58 anos que se transforma em um insano e furioso guitarrista de blues rock. Na pele de Big Gilson, é o principal representante do subestilo no Brasil. E, para variar, assim como Nuno Mindelis, tem mais prestígio no exterior do que em sua terra.

O que pouca gente sabe é que ele é, provavelmente, o músico brasileiro de blues que mais lançou álbuns, ao lado de outro carioca, justamente Flávio Guimarães.

Fundador e motor do grupo carioca de blues Big Allanbik, de certo sucesso nos anos 90, Gilson consolidou o seu estilo de pegada forte e de timbres mais cristalinos típicos do blues rock, dando o contraponto ao tradicionalismo de Blues Etílicos e André Christóvam.

"Tenho orgulho do Big Allanbik e dos três álbuns que fizemos, foi um período muito importante de minha carreira. E justamente por reverenciar bastante os trabalhos daquele período é que guardo distância para que possa seguir em frente", disse o guitarrista em entrevista ao Combate Rock tempos atrás.

Afiado e ferino, Big Gilson é dono de um dos timbres mais impactantes do blues nacional, sem falar na elegância de seus solos envenenados e faiscantes. "XXX" é intenso e iluminado, condensando uma carreira sólida de 30 anos de forma categórica.

Já Guimarães novamente se associa ao guitarrista paulista Netto Rockfeller para seu lançamento mais recente fora do Blues Etílicos. Habitual colaborador do exímio guitarrista carioca Álamo Leal, o gaitista mostra fôlego de sobra em "Sound Tracks", o sucessor de "Nice and Easy", de 2015, o primeiro da dupla.

O álbum tem o suporte da Blue Crawfish e foi gravado no estúdio Rancho Rockfeller e traz convidados ilustres, como o saxofonista Leo Gandelman e o pianista/tecladista gaúcho Luciano Leães.

Instrumental, o álbum  é de um bom gosto extraordinário e surpreende pela própria parceria, já que Rockfeller é um músico mais afeito ao blues rock, no estilo de gente de alto calibre como Fernando Noronha, Cris Crochemore e Rodrigo Campagnolo.

Com Álamo Leal o trabalho de Flávio Guimarães é mais sutil e delicado, com uma atenção redobrada aos timbres mais graves. Com Rockfeller, houve uma injeção de energia, mas nada que descaracterize as frases elegantes e criativas da gaita do mestre do Blues Etílicos.

Orgânico e poderoso, "Sound Tracks" equilibra com competência as duas forças sonoras, que são bem temperadas pela bateria concisa e precisa de Bruno Marques. "Arpoador", que abre o trabalho, é delicada e traz um clima de bossa nova que não soa forçado para engatar um blues tradicional em seguida.

"Car Wash" é mais quadradinha, no bom sentido, resgatando um clima de Chicago que tanto encantou os jovens britânicos nos anos 60 – o teclado maneiro de Luciano Leães é um dos pontos altos da faixa.

"Iê Iê Iê" cai para o rock'n'roll  dos anos 60, como o título entrega, onde o saxofone de Leo Gandelman faz um duelo ótimo com a gaita de Guimarães. "Blues Tornado", na verdade, não é um blues, mas um gostoso boogie onde o gaitista deita e rola comm muito suingue.

"Tex Mex Rumba", outra que explicita tudo no título, mantém a ideia de que quase todos os ritmos devem ser visitados, e a música latina ganha força e energia em uma interpretação bastante interessante da dupla, ainda que a introdução imponha um certo clima de filme de faroeste.

Outros destaques são a country-western "Careless Love", o blues acelerado e envolvente "The Big Boss" e a tradição norte-americana do blues acústico em "Steam Train", no mais autêntico blues sulista.

O álbum "Sound Tracks" tem uma cara despretensiosa, mas é fruto de um trabalho minucioso e bastante coerente, além de ambicioso, mesmo com uma produção bem simples e despojada. E a constatação é a de sempre: o veterano Guimarãesa acertou de novo.

 

 

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

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O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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