Mais bluesy e sofisticado, Fábrica de Animais traz novos elementos em novo CD
Marcelo Moreira
Não há palco – nem precisa. O ambiente é inóspito para músicos e para quem gosta de música, mas as mais de 200 pessoas que lotam a Galeria Olido, na avenida São João, no centro velho de São Paulo, não se incomodam com isso.
A ideia ali era comemora o Dia Internacional do Rock, mesmo que um dia depois do 13 de julho e mesmo que a literalmente vizinha Galeria do Rock tenha ignorado solenemente a data.
Depois de muita briga e reivindicação, finalmente a péssima gestão da Secretaria de Cultura (que funciona no mesmo prédio) da péssima administração João Doria (PSDB) topou liberar a inadequada, mas curiosa, vitrine externa para que pelo menos dez bandas fizessem shows gratuitos em julho, no mês do rock.
No dia 14 foi a vez da banda Fábrica de Animais, que lançava oficialmente o seu segundo álbum, "Fábrica de Animais 2" (Baratos Afins), mais blues e menos pesado que o disco de estreia, de 2014.
Despojada e despretensiosa, assim como o local do show, o quinteto nem parecia que estava lançando uma obra legal e interessante.
O clima era de churrasco e de confraternização – boa parte da plateia acanhada e inibida era de amigos e amigos dos amigos, mas outra parcela expressiva era de curiosos que resolveram conferir, de forma gratuita, aquele estranho rock de garagem berrado por uma maluca no microfone e tendo um duende barbudo estraçalhando na gaita.
E a Fábrica de Animais fez o que se esperava de uma banda que não se leva muito a sério e que se diverte muito mais no palco – ou na frente – do que o próprio público.
E lá foi o combo liderado pela cantora e atriz Fernanda D'Umbra brincar de fazer rock'n'roll, em uma curta apresentação de 63 minutos misturando as músicas de seus dois álbuns.
Com nova formação, e com mais espaço para o gaitista Flávio Vajman, o quinteto esbanjou vigor e categoria em dez músicas que oscilaram entre o blues e o rock básico.
O show foi empolgante e gostoso, mas Fernanda, como sempre, rouba a cena. É a diva teatral que mostra todo o seu repertório para arrebatar o público apático e envergonhado para sair dançando.
Espalhafatosa e bombástica como Rita Lee e Janis Joplin, encarna cada personagem de cada música como se estivesse em uma maratona cênica vivendo vários papéis de cada vez.
Consegue equilibrar a agressividade do rock a com a malícia do blues, passando pela ingenuidade do rockabilly e pela explosão de sensualidade de uma artista versátil e de extrema qualidade musical.
As referências são várias, desde a seminal escocesa Maggie Bell (Stone the Crows) à delicada e extraordinária norte-americana Natalie Mechant (ex-10.000 Maniacs).
a apresentação é mais quente do que o que podemos ouvir no segundo álbum. Menos agressivo, mais bluesy e mais sofisticado, Fernanda D'Umbra deixa de lado a roqueira ensandecida e mais bem-humorada para encarnar a crooner de banda – e, com o perdão do trocadilho, se tornar uma cronista mais perspicaz e ácida da vida paulistana.
E as referências à cidade de São Paulo, no primeiro álbum, dão um toque regional interessante e que remete ao que de melhor Joelho de Porco, Língua de Trapo, Ira!, Rumo e Premeditando o Breque fizeram no rock paulistano.
A faixa de abertura é um primor de clichê roqueiro que denuncia a idade de quem compôs – "De Quando Lamentávamos o Disco Arranhado", uma gostosa fábula que emula um a discussão canhestra sobre relacionamentos amorosos.
"Jogo de Dardos" e "Tudo Errado" já mergulham no rock oitentista nacional com uma boa dose de malandragem e de blues safado dos botecos esfumaçados em qualquer boca de porco incrustada nas esquinas da vida.
"Noite Daquelas" é rock'n'roll puro, resgatando o clima intenso de balada que tão bem fez à música nacional com as canções de Barão Vermelho e Golpe de Estado, com destaque para as guitarras fortes e solos frenéticos de Sérgio Arara.
Já "Som Cafona" e "Bossa Nóia" trazem o melhor do blues sujo e áspero que a banda sempre fez questão de mostrar, temperados pela gaita lamuriosa e de som empoeirado e rascante de Vajman.
A Fábrica de Animais impressionou em sua estreia em CD e manteve o pique no segundo álbum, agora evoluindo para um som mais clássico e menos pesado, onde o blues toma conta e as letras ganham contornos mais expressionistas, indicando que a crônica logo vai dar a lugar a pequenos contos. Os animais decidiram mostrar as garras de vez em 2017.
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