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Documentário mostra saga do Sepultura e resistência após separação histórica

Combate Rock

25/06/2017 07h00

Flavio Leonel – do Site Roque Reverso

Se o fã de boa música conhece o mínimo de rock pesado, sabe perfeitamente a importância do grupo brasileiro Sepultura no cenário mundial. Após muita batalha, a banda chegou ao auge da popularidade em 1996, mas uma briga histórica entre os integrantes abalou a trajetória de sucesso, obrigando os músicos restantes a uma brava luta pela manutenção da carreira. É justamente sobre a resistência da banda contra todos os percalços que é feita a abordagem do documentário "Sepultura Endurance".

A estreia oficial no Brasil ocorreu em 15 de junho, mas, um dia antes, foi criada uma pré-estreia especial nos cinemas do País.

O Roque Reverso assistiu ao documentário no dia 13 de junho, quando o "Sepultura Endurance" abriu oficialmente a recomendada e aguardada 9ª edição do Festival Internacional do Documentário Musical, o In-Edit Brasil, em sessão fechada, com a presença de convidados e imprensa.

O diretor Otávio Juliano obteve mais de 800 horas de filmagem e disse que a produção até chegou a ter dificuldade para armazenar uma quantidade tão grande de material. O empecilho decisivo, porém, foi a decisão dos irmãos Cavalera, de não participarem do documentário com seus depoimentos.

O vocalista e guitarrista Max Cavalera e o irmão baterista Igor Cavalera chegam a aparecer em gravações antigas e fotos, mas não estão ali para dar a versão da história. Com isso, Juliano foi obrigado a moldar seu trabalho, driblando este obstáculo extremamente importante.

Há fãs que até podem odiar a postura de Max após sua saída conturbada do Sepultura, tendo como pivô os atritos dos demais integrantes com sua esposa, a empresária Gloria Cavalera.

Há gente que gosta da banda e também pode não gostar da atitude do irmão baterista Igor de se juntar a Max anos depois da saída do vocalista. Mais ainda, há pessoas que podem não perdoá-los por algumas posturas, como o impedimento, segundo os produtores, da utilização de faixas inteiras da banda no documentário.

O que é, no entanto, impossível, é ignorar que a existência do Sepultura passa pela cabeça é pela alma dos irmãos e que muito do que o grupo se tornou até seu auge, na década de 90, tem papel fundamental destes dois músicos criativos.

Com isso, o foco adotado por Otavio Juliano para contar parte da história de mais de 30 anos do Sepultura foi a persistência após a separação, as dificuldades enfrentadas por uma banda que ficou sem seu vocalista, sem sua empresária e até sem sua gravadora.

E é aí que entra o papel também fundamental de dois batalhadores: o guitarrista e atual líder do grupo, Andreas Kisser, e do baixista Paulo Júnior, que "sobreviveram" a tudo e que estão aí para trazer diversas curiosidades do grupo.

Com habilidade para não alimentar ainda mais as discussões acaloradas sobre qual metade da banda está certa, Juliano trouxe uma narrativa interessante e dentro do possível com o material que tinha em mãos. O resultado é algo que certamente vai orgulhar não apenas os fãs da banda, mas os próprios brasileiros, já que o Sepultura e sua saga são um orgulho nacional.

O documentário do Sepultura começa com a mesclagem de depoimentos de figuras ilustres do heavy metal e cenas da banda no show histórico de 30 anos realizado em 2015 na Audio em São Paulo.

Entre as várias figuras do estilo que comentam sobre a importância da banda estão nada menos que o baterista Lars Ulrich, do Metallica; o baixista David Ellefson, do Megadeth; o vocalista Phil Anselmo, do Pantera e do Down, o guitarrista Scott Ian, do Anthrax; e o vocalista do Slipknot, Corey Taylor.

Eles vão e voltam com suas opiniões em vários momentos do filme e ajudam a entender não apenas a importância do Sepultura na cena do heavy metal como também as dificuldades que todas as bandas enfrentam nas turnês e no convívio do dia a dia, já que os ônibus, as viagens e a distância da família fatalmente sempre mexem com a cabeça de todos. E nunca é fácil lidar com isso.

Jean Dolabella

É justamente na captação do impacto das longas turnês sobre a cabeça de Jean Dolabella, baterista do Sepultura entre 2006 e 2011, que o documentário começa a engrenar e tomar forma. No ônibus da banda, Dolabella tem um papo honesto com Kisser, Paulo e o vocalista Derick Green, expondo a dificuldade de lidar, sobretudo, com a saudade imensa da família num dos vários e extensos períodos longe de casa.

O problema de Dolabella, que logo sairia do Sepultura, serve para dar uma amostra sobre como o convívio das turnês pode ter sido decisivo para o conflito anterior entre Max e o restante do grupo.

Fica muito claro que nem todo mundo está preparado psicologicamente para lidar com um vida que esmaga diariamente corações e mentes dos músicos. Obviamente, a vida de uma estrela do rock é desejada e admirada por inúmeros fãs, mas fica muito claro neste exemplo do ex-baterista que sempre há um preço caro a pagar pelo sucesso.

Jairo Guedz

Após o forte conteúdo emocional da questão de Jean Dolabella, o diretor do documentário consegue fazer um link com habilidade para contar a história do Sepultura. Para isso, é decisiva a participação de Jairo Guedz, guitarrista da fase inicial da banda que seria substituído mais tarde por Andreas Kisser.

É com o relato bem humorado e imperdível de Guedz que o filme mostra os primórdios da banda e de toda a importantíssima cena de heavy metal de Belo Horizonte nos Anos 80, com todas as dificuldades que só quem viveu o período complicado do País sabe bem. Depois disso, Kisser entra para contar, ao lado de Paulo Júnior, o restante da história do Sepultura.

A saga

A continuidade da saga do Sepultura é contada pelo guitarrista e pelo baixista da banda que voltam às ruas da Belo Horizonte atual para passar pelos arredores da lendária Cogumelo Records, que tanto foi decisiva para o heavy metal nacional. Eles visitam o proprietário da loja João Eduardo de Faria Filho e o encontro é muito bacana, com altas histórias sobre o passado.

Depois disso, o documentário mostra a casa de Paulo Júnior onde a banda ensaiava e passa a trazer a história que vai desde a entrada de Andreas Kisser na banda até a briga que resultou na separação em 1996.

É retratada a evolução da banda a cada disco, sempre com músicas retiradas da apresentação ao vivo na Audio. Presente no show de 2015 na capital paulista (veja a resenha aqui), este jornalista, que acompanha a banda ao vivo desde o histórico show da turnê do álbum "Arise" na Praça Charles Miller, em frente ao Estádio do Pacaembu, em 1991, tem quase certeza que aparece em algumas das cenas no meio do público na Audio, bem na fila do gargarejo. 😉

A briga

O período da ruptura histórica do Sepultura é muito bem retratado no documentário. Vários dos músicos que trazem o depoimento lamentam profundamente a briga da banda no seu auge, justamente quando ela já começava a brigar de igual para igual com nomes históricos do metal, como o Metallica e o Slayer.

O álbum "Roots", que comemorou 20 anos de existência em 1996 e que até gerou uma elogiada turnê comemorativa paralela dos irmãos Cavalera no ano passado, é tratado por alguns como se fosse uma obra de arte. E é inevitável para todos que assistem ao documentário naquele momento o surgimento de um sentimento enorme de tristeza pela separação.

É óbvio que, jornalisticamente, seria imprescindível existir o famoso "outro lado", contado por Max e Igor. Mas é difícil quando o "outro lado" se recusa a falar.

Somente com a versão contada por Kisser e Paulo Júnior, o diretor Otávio Juliano consegue trazer o período mais delicado da história do Sepultura.

Há, no entanto, todo um cuidado para não inflamar os ânimos, com o guitarrista deixando bem claro o quanto era importante a parceria com Max e, segundo ele, como Gloria Cavalera teria acabado com o ambiente de irmandade que é vital para a sobrevivência dos grupos.

Destaques neste trecho para os depoimentos interessantes de Lars Ulrich, Scott Ian e Phil Anselmo. Servem muito para complementar o que é contado por Kisser e entender a dificuldade de manutenção das bandas de rock.

Derrick Green e ressurgimento

O trecho sobre a escolha e entrada de Derrick Green também é bem relatado no documentário "Sepultura Endurance". Ali, é contada toda a resistência da gravadora ao estilo vocal de Green em relação ao que Max Cavalera representava para a história do grupo.

Também fica bem claro que Andreas, Paulo e Igor lutaram contra e tudo e todos para continuar com a banda e bateram o pé para ficar com o novo vocalista.

A partir daí, a sequência da carreira do Sepultura é retratada e vai até o lançamento do EP "Sepultura Under My Skin" e o show de 30 anos na Audio.

Neste intervalo, também há os momentos das trocas dos três bateristas, com destaque para a saída e Igor e para as entradas dos ótimos Jean Dolabella e Eloy Casagrande, este último notadamente um garoto prodígio que passa de fã a integrante de uma das maiores bandas do planeta.

Ausências

Além de Max e Igor, outras ausências são sentidas no documentário. O Roque Reverso acredita que depoimentos de nomes importantes do heavy metal nacional e internacional, como os de Walcir Chalas (dono da Woodstock Discos e criador do programa "Comando Metal", da 89FM), Toninho Iron (presidente do fã clube do Sepultura), Gastão Moreira (ex-MTV e apresentador do famoso "Fúria Metal"), Vitão Bonesso (apresentador do programa "Backstage"), Jason Newsted (ex-baixista do Metallica, que foi importante no período da entrada de Derrick Green), Mike Patton (do Faith No More) e Carlinhos Brown (que ajudou demais na produção do álbum "Roots") poderiam enriquecer ainda mais o bom documentário. Mas isso, quem sabe, pode até ser feito numa eventual sequência (fica a dica).

Legado e orgulho nacional

A despeito das ausências citadas, o documentário "Sepultura Endurance" é um retrato muito bom de parte considerável da maior banda brasileira da história. No filme, o legado do Sepultura está bem contado e é perfeitamente possível, até para quem não é fã da banda, entender o motivo dela ser um orgulho nacional, apesar de a mídia brasileira nem sempre dar o espaço merecido.

Vale, portanto, muito a pena assistir e, futuramente, até obter uma cópia num provável DVD para guardar na estante das relíquias do rock.

É fato que a ausência dos irmãos Cavalera é difícil de ser esquecida, mas, se a intenção é focar a resistência do Sepultura a tudo e todos os obstáculos, o documentário certamente teve seu objetivo alcançado.

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

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O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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