Trintões do pop: a importância de 1987 na evolução da música - parte 2
Caio de Mello Martins* – publicado originalmente no site Roque Reverso
Anthrax – "Among The Living"
Se você é headbanger, sabe muito bem que um dos anos mais prolíficos da história do heavy metal foi 1986. Praticamente todas as maiores bandas de thrash da época, tanto na Europa quanto nos Estados Unidos, lançaram obras que serviriam de guia para a evolução da música pesada nos anos seguintes. Uma delas no entanto demoraria um ano a mais para lançar sua obra prima, e que obra prima.
O Anthrax era o maior representante do estilo na costa leste dos Estados Unidos. Nova-iorquinos do Queens de diferentes origens étnicas (a banda é 2/5 judia, 2/5 italiana e 1/5 indígena), souberam melhor do que outros calibrar o amálgama de influências culturais que informavam os jovens músicos de thrash daqueles tempos.
No álbum "Among The Living" (veja outra resenha dos 30 anos do disco aqui), o Anthrax acentuou o tom hardcore nos riffs. O ritmo com que a música flui tem um toque da malícia de quem lida diariamente com as tensões e os limites estabelecidos por gangues e guetos; os blasts de Charlie Benante e dos coros uníssonos (de gosto bem punk) parecem nos lembrar da brutalidade que marca a imersão do urbanóide pela massa heterogênea e impessoal da metrópole.
Liricamente, a banda parece se importar menos em imitar seus próprios ídolos do que compartilhar conosco suas próprias referências em comics, cinema e ficção científica — motivo de orgulho ou não, fato é que são itens identitários fundamentais para estes cosmopolitas. Juntamente com o single "I'm The Man", lançado no mesmo ano e que mostra a banda se aventurando em uma debochada mistura Rap-Metal, "Among The Living" sinalizou para os anos 1990 que o heavy metal não apenas habita fantasias adolescentes, mas também vive nas ruas.
Bon Jovi – "Slippery When Wet"
Originalmente lançado em 1986, "Slippery When Wet" foi um dos grandes hinos de 1987, em grande parte devido à força do single "Livin' On a Prayer", que ao lado de "Faith", de George Michael, foi a música que mais tempo ocupou o topo da Billboard em 1987: quatro semanas em primeiro lugar.
Bon Jovi já estava em seu segundo álbum e sua proposta não era exatamente inédita. Bandas de Hard Rock com tino para refrões grudentos e coreografias já pululavam aqui e ali no mainstream americano desde o final dos anos 70, e basicamente todos os clichês do estilo já haviam sido escritos por grupos como Mötley Crüe, Def Leppard, KISS, Quiet Riot etc.
É verdade, no entanto, que "Slippery When Wet" pode contabilizar como um de seus feitos ter sido responsável por integrar o público feminino no contingente de fãs de rock: tanto em forma quanto conteúdo, a banda mantinha táticas tão típicas (e sexistas) do estilo sob moderação, como insinuação sexual das letras, as cores genitais de roupas e maquiagens e as demonstrações fálicas de destreza técnica pelos instrumentos.
Um approach light ao Hair Metal, calibrado graças à presença de Desmond Child, músico que colaborava com grandes gravadoras fornecendo hits infalíveis a seus artistas. Child foi contratado para trabalhar em um álbum que pudesse levar Bon Jovi ao estrelato.
Bem fiel ao zeitgeist da época — lembrem-se, estamos no auge da era neo-liberal individualista de Ronald Reagan e da promessa de grandes fortunas nas jogatinas de especulação financeira em Wall Street — a banda terceirizou sua atividade-fim em busca de maximização dos resultados.
Outro aspecto que situa "Slippery When Wet" historicamente são os personagens que habitam suas letras, quase todos advindos da baixa classe média norte-americana achatada pela crescente desigualdade social.
Pressionados por empregos de baixa qualificação e pelo crime organizado, serão enfim redimidos pelo otimismo, pela tenacidade e outras qualidades que o populismo à la Bruce Springsteen lista para exaltar o americano médio. É aí que a linha entre folclore popular e ufanismo se torna nebulosa.
* Caio de Mello Martins é jornalista.
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