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Trintões do pop: a importância de 1987 na evolução da música - parte 1

Combate Rock

22/05/2017 06h34

Assim como '77 dez anos antes, 1987 foi simbólico para vários gêneros musicais e apontou tendências para as décadas seguintes; conheça os álbuns que contam essa história 

Caio de Mello Martins* – publicado originalmente no site Roque Reverso

Datas redondas sempre dão o que falar. É uma chance que temos para refletirmos sobre o legado histórico de eventos passados, e também para pensarmos no tempo presente, nos processos que se desencadearam até que chegássemos ao aqui-agora, analisando os significados inferidos nas escolhas que determinaram a história.

Quando o assunto é música, a efeméride que grita mais alto nesse ano de 2017 é, sem dúvida, a explosão do punk nos dois lados do Atlântico Norte, simbolizada pelos lançamentos fonográficos na Inglaterra que transformaram um influente movimento do underground norte-americano na principal corrente de cultura jovem globalizada.

De maneira geral, pode-se dizer que foi uma iniciativa legítima, de baixo para cima, que reivindicava o resgate da autenticidade e do lastro social na cultura popular. Opunha uma indústria fonográfica que ao longo da década ganhou muito poder sobre os meios de produção, distribuição e promoção; como resultado, bandas e gravadoras estavam cada vez mais submetidos à lógica mercadológica de massificar ídolos e clichês.

Isso foi a quarenta anos atrás, e muito já foi discutido como o punk agiu como um divisor de águas na cultura. O choque inicial do punk influenciou gravadoras a apostarem em novos artistas; além disso, sua proposta populista de "retorno às origens" e combate ao virtuosismo (solos e sintetizadores foram demonizados) inspirou jovens a saírem em busca de novos elementos que quebrassem com a monotonia desse impulso reacionário inicial, como os experimentos das vanguardas de início do Século XX ou estilos de música popular distintos do rock (o que explica o Third Wave Ska, o Art-Punk, o SynthPop, o Industrial, a World Music e outros estilos surgidos na transição entre os anos 1970 e 1980).

Mas o que podemos falar sobre os trintões do Pop? Cabe uma discussão sobre o legado de 1987 na música ou é mera falta de assunto? À primeira vista, não parece um ano muito distante. Uma rápida olhadela pelos sucessos que frequentaram o topo da Billboard naquele ano já mostra nomes que até hoje são familiares e lideram as listas de reproduções em rádios mundo afora.

Alguns já não estão mais entre nós (Whitney Houston, Michael Jackson, Prince, George Michael), mas muitos deles — Madonna, Phil Colins, U2, Bon Jovi, Guns N' Roses — seguem enchendo arenas e ostentando algumas das maiores fortunas do mundo do entretenimento. Sem dúvida, 1987 foi mais um ano dominado pela MTV, penteados que desafiavam a gravidade e baladas grudentas, sem contar nos sintetizadores, sampleadores e sequenciadores que expressavam a obsessão de produtores pelo impacto imediato de um hit com batida perfeita, mas nenhuma alma.

Analisando bem, entretanto, 1987 também foi o ano de florescimento de movimentos culturais como o thrash metal e o Electronic Body Music (EBM), que produziram uma explosão de bandas não só no mundo anglo-saxão, mas também na Europa Continental e América Latina.

Foram movimentos que quebraram barreiras entre estilos musicais e também entre públicos rivais e mutuamente excludentes (como punks e headbangers nos Anos 1980). Irmãos de alma em campos completamente distintos, thrash e EBM botaram em marcha um rápido crescimento e desenvolvimento técnico.

Através de uma saudável competitividade entre bandas por níveis inalcançados de intensidade, velocidade, complexidade composicional e sordidez (no caso das letras), ambos os movimentos se distinguiram em poucos anos e tornaram obsoletos seus antigos mestres. Ainda que impregnados do impulso juvenil de chocar, thrash e EBM eram oásis de ceticismo e honestidade artística dentro de um deserto cultural de euforia escapista.

Foi também em 1987 que um movimento underground nascido das decadentes paisagens pós-industriais dos EUA ganharia o mundo. Assim como havia acontecido vinte anos antes com Jimi Hendrix, a House Music conquistou primeiro a Grã Bretanha para depois ser devidamente reconhecida na Terra do Tio Sam.

Inibidos pelo clima predominantemente abandonado e cinzento das ruas de Chicago e Detroit, DJs norte americanos romperam com as convenções musicais e as temáticas quase sempre melosas do R&B, buscando inspiração nas qualidades exóticas e hipnóticas de artistas de outras partes do mundo, como Europa e Japão, que apontavam para uma nova dance music anabolizada pela precisão milimétrica da batida eletrônica. Munidos não de instrumentos acústicos, mas de ferramentas de edição de som, esses DJs criaram um som que poderia ser descrito como uma destilação dos aspectos mais corpóreos da música pop.

Seus inserts vocais de todo o tipo e complexa alquimia rítmica apelavam exclusivamente para baladeiros de longas festas, as quais ocupavam espaços urbanos degradados para celebrar a batida como se não houvesse amanhã. A cultura rave nascia, e teria impacto sobre o estilo de vida de jovens do mundo todo, seus hábitos noturnos, sua sensibilidade musical, e o contato de muitos deles com novos tipos de drogas sintéticas.

É possível também fazer uma conexão direta entre 1987 e o próximo terremoto que iria remodelar as configurações do mapa do mainstream: o tal "movimento" grunge e a ressurreição do rock e do espírito sessentista por meio da sensibilidade lisérgica e da rebeldia introvertida do indie/college rock. Foi o ano em que Nirvana e Alice in Chains nasceram; mais importante que essa informação enciclopédica, um punhado de álbuns já mostrava como uma nova geração de músicos começava a reescrever o rock norte-americano.

A despeito do patrulhamento ideológico e da beligerância do punk hardcore, bandas como REM, Hüsker Dü e Dinosaur Jr se descolavam por não considerarem que letras subjetivas e composições melodiosas representassem "falhas morais" ou "concessões ao establishment" na sua proposta de música underground.

Ao mesmo tempo, na mesma veia de ecletismo pós-moderno, o Faith No More sinalizava que era possível traduzir o peso não só via guitarras corrosivas, mas também pela fúria declamatória do rap e pela estridência das beats eletrônicas — uma mistura que seria crucial para as bases do que seria conhecido como nü metal na década seguinte.

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

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O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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