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Os 50 anos de 'Truth', a obra-prima de estreia solo de Jeff Beck

Combate Rock

26/04/2017 06h51

Marcelo Moreira

Jeff beck Group em 1968: Rod Stewart, Ronnie Wood, Mick Waller e and Jeff Beck
(FOTO: Michael Ochs Archives/Getty Images)

Ele substituiu Eric Clapton e ainda teve de conviver com o amigo Jimmy Page como par de guitarras por um tempo. Genioso e temperamental, não poderia aguentar tal coisa por muito tempo. Então decidiu cometer um dos melhores e mais emblemáticos álbuns de estreia da história do rock.

O álbum "Truth" nasceu da raiva, da frustração e da ambição de um jovem guitarrista que tinha certeza de que era "o cara". Seu ego e seu imenso talento não cabiam dentro de uma banda – desde que, no entanto, a banda fosse dele e levasse o seu nome.

Então o Jeff Beck Group surgiu para disputar o topo com Cream, de Eric Clapton, com Jimi Hendrix Experiencce, com JOhn Mayall's Bluesbreakers, com o incipiente Fleetwood Mac e com os escombros dos Yardbirds, do amigo Page.

O cartão de visitas, "Truth", saiu em março de 1967, há 50 anos. Maus do que blues, trazia música pesada, intensa, agressiva, e uma guitarra poderosa, que serpenteava em temas instrumentais com tal maestria que parecia que nada poderia superá-lo.

A preocupação não era ter músicas originais e autorais, mas simplesmente fazer a música mais poderosa que pudesse existir, desfigurando e distorcendo temas caros ao blues.

Beck já era gênio do instrumento ainda nos Yardbirds, no qual entrou em 1965 para substituir Clapton, indicado por Jimmy Page, que não aceitou a vaga até então. Já era sabido que o moço era temperamental, mas o custo-benefício valeu casa segundo das brigas, birras e altercações: a guitarra de Beck moldou o som e as composições do quinteto.

Mas os Yardbirds eram, um barril de pólvora. Todo mundo gostava de brigar e discutir, e a coisa ficou insustentável para o baixista Paul Samwell-Smith, que saiu e virou produtor musical. Foi a deixa para Jimmy Page entrar como baixista, no começo de 1966, cansado da vida de músico de estúdio.

Mais velho e mais experiente do que o resto da turma, logo Page tomou conta do pedaço e começou a arrumar a casa. Contrariado, Beck manteve a amizade acima de tudo, mas não gostou nada quando Page e o limitado guitarrista base Chris Dreja decidiram trocar de instrumento.

Foi o estopim para que Beck decidisse por mandar no próprio nariz e não ficar à mercê de assembleísmos e das bebedeiras que descambavam para a falta de profissionalismo.

A dupla de gênios de guitarra tocou pouco tempo junto, ms fizeram duelos memoráveis e construíram nova reputação para os Yardbirds. No final de 1966, Jeff Beck já tinha o seu Jeff Beck Group na manga, criado em segredo, e abandonou o barco.

Foto rara da formação dos Yardbirds com os dois magos da guitarra: em cima, Jimmy Page (esq,) e Jeff Beck; embaixo, Keith Relf (esq., vocalista), Jim McCarthy (bateria) e Chris Dreja (baixo) (FOTO: DIVULGAÇÃO)

A molecada que ele recrutou era da pesada. Rod Stewart era um cantor escocês bonachão e com voz de serra elétrica. Tentara a carreira solo, mas empacou aos 21 anos de idade por conta da falta de repercussão.

Ron Wood era um garoto narigudo de 19 anos que tocava guitarra e baixo, mas que na verdade amava mesmo era desenhar, pintar e fotografar. Por conta insistência do irmão, Art, o líder dos Artwoods, acabou aceitando a vaga de baixista para Beck. Na bateria, o correto Mick Waller, preciso, mas pouco ambicioso.

A banda era um supergrupo antes de existirem os supergrupos – foi criada ao mesmo tempo em que o Cream, de Eric Clapton, Ginger Baker e Jack Bruce. Beck queria sair rasgando, causar impacto, e conseguiu, embora tenha sido surpreendido por Jimi Hendrix, que acabara de chegar a Londres.

"Shapes of Things" abre "Truth" com um soco na cara – um blues transfigurado de distorção e solos corrosivos de guitarra, em nada lembrando a versão original, dos Yardbirds.

"Let Me Love You" e "Morning Dew" foram duas grandes descobertas na garimpagem de clássicos do cancioneiro norte-americano, onde a voz de Stewart imprimiu um uma mescla de tom bluesy com soul music, especialmente na segunda canção.

"You Shook Me", de Willie Dixon, definiu para muita gente o que viria a ser o rock pesado, tanto que foi gravada também no álbum de estreia do Led Zeppelin, em 1969. O blues pesado e intenso ganhou uma sobrecarga de energia com um timbre gordo de guitarra e baixo, com palhetadas marcantes de Beck.

Encerrando o lado A do LP, outro clássico, "Ol' Man River", que se tornou um hino gospel de rara beleza.

Após recuperar o fôlego, o ouvinte embarca em uma curta viagem renascentista com o violão delicado de "Greensleeves", tema tradiciona britânico, para então ser acertado em cheio por outro blues pesado de Willie Dixon, a versão magistral de "I Ain't Superstitious".

Preparando o "gran finale", surge a instrumental com cara de jam "Beck's Bolero", um tema composto por Jimmy Page. Era uma brincadeira de estúdio que ficou séria e se tornou um clássico cult do rock.

A banda aqui é outra: dos originais, só Jeff Beck, acompanhado por Page na outra guitarra, John Paul Jones (futuro Led Zeppelin) no baixo e teclados, John Entwistle no baixo e Keith Moon na bateria – cozinha de The Who – e o pianista Nicky Hopkins.

Reza a lenda que, nos estúdios, quase surgiu um novo supergrupo: Beck, Page Entwistle e Moon chegaram a cogitar a criação de um projeto. Entretanto, Moon descartou logo depois a união: "A chance de dar certo era tão 'grande' quando a possibilidade de um zepelim de chumbo voar", teria dito aos amigos. Page guardou a frase e usou o termo mais importante para dar nome a sua banda um ano depois…

O álbum termina com uma gravação ao vivo da poderosa "Blues Deluxe", de Jeffrey Rod, com mais de sete minutos de um bluesaço de primeira categoria, onde todos os músicos brilham, com o auxílio esplendoroso do pianista Nicky Hopkins.

"Truth" virou um clássico imediato, mas não foi um estouro de vendas. Aquele ano, 1967, foi um ano difícil por conta da forte concorrência: "Sgt. Pepper's Lonely Heart Club Band", dos Beatles, "Their Satanic Majesties Request", dos Rolling Stones, "The Who Sell Out", do Who, "Piper at the Gates of Dawn", do Pink Floyd, "Little Games", dos Yardbirds, "Days of Future Passed", do Moody Blues", "Are You Experienced", de Jimi Hendrix, "The Doors", "Fresh Cream", do Cream, a estreia dos Doors…

A estreia solo de Beck apontava, com razão, para uma fulgurante carreira, que realmente se concretizou, mas por outros caminhos. A primeira encarnação de Jeff Beck Group foi efêmera, durou pouco mais de dois anos. Rendeu um segundo álbum, "Beck Ola", não tão inspirado, mas de ótima qualidade. No entanto, a banda já tinha se esfacelado.

Obcecado por timbres inusitados, perfeccionista chato e workaholic, Beck começou a perturbar demais os companheiros, especialmente nas turnês pela Europa e pelos Estados Unidos.

As tensões cresceram muito nos últimos seis meses da formação, e chegou ao auge quando, nos bastidores de uma apresentação em San Francisco, escutou uma conversa no camarim ao lado. Alguém chegou para Rod Stewart e comentou em tom de elogio: "Excelente a sua banda, hein, Jeff? Você canta muito bem, e seu guitarrista também é muito bom."

Possesso com o que considerou uma desfaçatez, teria decidido ali mesmo reformular o grupo quando voltasse a Londres. Era o finalzinho de 1968.

Pouco tempo depois da volta, acabou surpreendido quando foi informado de que Wood e Stewart tinham se juntado a Ronnie Lane (baixo), Ian McLagan (teclados) e Kenney Jones (bateria) em uma nova banda.

Os três integrantes eram dos Small Faces, que estava acabando naquele começo de 1969 com a saída do guitarrista e vocalista Steve Marriott. Com Wood e Stewart, o quinteto passou a se chamar Faces.

Quando a Beck, meio desorientado e vendo a concorrência subir cada vez mais alto, ainda mais com a chegada do Led Zeppelin, decidiu mudar seus horizontes musicais. Optou pelo ecletismo e pela fuga do mundo pop.

A segunda encarnação do Jeff Beck Group caiu de cabeça no funk e na soul music, com toques de jazz, nos primeiros anos da década de 1970, até abraçar novamente o hard rock em 1973 com o trio Beck, Bogert & Appice, ao lado dos norte-americanos Tim Bogert (baixo e vocais) e Carmine Appice (bateria).

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

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O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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