Violência, fúria e peso descomunal dão brilho ao ótimo 'Bloodlust', do Body Count
Marcelo Moreira
Uma ode à violência sonora e uma metralhadora destruidora e implacável. Em um mundo polarizado e intolerante, "Bloodlust", do Body Count, não ajuda em nada no sentido de pacificar, mas se tornou um instrumento extraordinário de posicionamento sociopolítico em tempos de Trumps, Dorias e Bolsonaros.
Fazia muito tempo que o rock não produzia um trabalho tão contundente politicamente, com mensagens duras e até ameaçadoras. Fazia muito mais tempo ainda que uma banda de rock não fazia um som tão pesado e devastador.
Body Count, Body Count, Body Count… o mantra da primeira faixa do primeiro disco, lá nos anos 90, vem à cabeça diante de tamanho poder de fogo mostrado em "Bloodlust", com seus ataques frontais à polícia norte-americana e aos políticos conservadores que tramam contra os parcos direitos sociais adquiridos pelos pobres e pela população negra.
Ironia das ironias, o vocal vociferado e berrado é o do rapper Ice-T, aquele mesmo quye cantou com o Body Count a faixa "Cop Killer" mais de 20 anos atrás. E não é que o rapper que virou ator louco para matar tirads hoje encarna um policial durão do bem na série "Law and Order"??????
Ice-T mandou pro inferno a ironia e atira para todos os lados em "Bloodlust", com a felicidade de acertar todos os tiros. Todos os seus vocais mostram fúria, desprezo e ódio, ignorando métricas e atropelando as palavras.
Discursa como um rapper ensandecido em cima de bases que misturam thrash metal, death metal, hardcore, tudo isso empurrado por guitarras demolidoras. O cantor politizado Zack de la Rocha, do engajado e ótimo Rage Against the Machine, fica parecendo uma Adele diante de tamanha fúria e violência.
O clima é de guerra civil, como se observa já na abertura da primeira faixa, "Civil War", que proclama o levante contra os opressores, tudo permeado com a guitarra cortante do convidado Dave Mustaine (Megadeth).
"The Ski Mask Away" e "This Is Why We Ride" não permitem tempo para respirar, mantendo o clima insano e de alerta total, como uma avalanche sonora que desemboca no apocalipse de "All Love Is Lost", onde o convidado Max Cavalera (ex-Sepultura e atual Soulfly) ajuda na demolição, só que colocando um pouco mais de groove.
Com o mundo desabando, e estamos falando apenas na quarta música, como manter o pique em alto nível por sete canções? Como ser virulento e irado em se tornar repetitivo?
Parece não ter sido o problema para Ice-T. Raiva não lhe falta, muito assunto e alvos. Corporações, políticos, bancos, militares, policiais, traidores do povo… ninguém foi poupado. De forma velada, sobrou até para algumas políticas implementadas por Barack Obama, o primeiro presidente norte-americano negro.
Entremeando fragmentos de discursos entre algumas músicas, ao menos três instituições mereceram elogios do rapper: o metal, citado como uma grande influência, e os mestres do Black Sabbath e do Slayer.
E tome-lhe paulada atrá de paulada. "Raining in Blood/Postmortem", inclusive, é uma bela homenagem ao Slayer, com sua levada veloz, de tirar o fôlego, e vocais urrados e pesados.
"God, Please Believe Me" é um grito de desespero, com suas guitarras e o baixo densos e asfixiantes, criando um clima claustrofóbico e desesperador.
"Walk with Me", com a participação de Randy Blythe, só "piora" as coisas, aumentando a claustrofobia e o peso das guitarras, com sua levada mais cadenciada.
"Here I Go Again" e "No Lives Matter" conseguem manter o peso e a qualidade, mas o Body Count dá sinais aqui de que desacelera, como não se não estivesse conseguindo manter o ritmo e a pegada – pudera, coma sequência matadora de ótimas músicas, seria natural uma caída.
A impressão é essa, mas é só impressão, talvez uma dose de água para mais avalanche sonora com a excelente e pesadíssima "Bloodlust" e a insana "Black Hoodie", que fecha o trabalho.
Esqueça qualquer elogio feito a qualquer conexão entre rock e rap/hip hop. Ela é definitiva com Body Count, hoje um sexteto formado por músicos negros e mestres em seus instrumentos.
São rappers do primeiro time do gênero que adoram heavy metal, ainda hoje considerado por certos setores roqueiros como um ambiente hostil a músicos negros, o que é uma imensa bobagem, como já provaram Living Colour, Bad Brains, Hirax, Death (o trio punk negro de Detroit, não a banda de death metal da Flórida), Animal as Leaders e muitos ooutros.
Metallica, Megadeth, Metal Church, Overkill e Anthrax produziram ótimis álbuns nos últimos dois anos, revigorando, de certa forma, o metal clássico e o thrash metal, mas há muito tempo não surgia algo tão poderoso como "Bloodlust", do Body Count.
Depois de mais de uma década sem gravar e com Ice-T priorizando a carreira de ator e se dedicando mais ao rap, o Body Count ressurgiu em 2014 com o mediano "Manslaughter", um álbum irregular que pretendeu inserir altas doses de hip hop em cima de bases pesadas, sem falar na falta de inspiração nos temas e nas letras.
A banda parecia enferrujada, e Ice-T percebeu isso. Caiu de cabeça no metal e protagoniza, em "Bloodlust", um dos trabalhos mais instigantes e violentos dos últimos tempos.
Escute abaixo o álbum na íntegra:
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