A praga do classic rock se espalha e contamina outras praias
Marcelo Moreira
O fenômeno do classic rock, que distorceu parte do mercado, em especial o das rádios rock no Brasil, espalhou-se como praga e contaminou até mesmo a MPB.
Se canções como "Smoke in the Water" (Deep Purple, de 1972), "Wish You Were Here" (do Pink Floyd, de 1975) e "Satisfaction" (dos Rolling Stones, de 1965) tocam várias vezes por dia nas rádios que saturam o ouvinte com classic rock, o mesmo ocorre nas emissoras dedicadas à MPB.
A principal na cidade de São Paulo que aposta no gênero é a Nova FM, que um dia foi Record FM. Artistas como Gilberto Gil, Rita Lee, Caetano Veloso, Elis Regina, Djavan e alguns outros têm pelo menos três músicas por dia executadas. É a rádio campeã nos aparelhos de taxistas das zonas Sul, Norte e Oeste da cidade.
Por três dias seguidos usei táxi na terceira semana de janeiro – cinco viagens -, com veículos de cooperativas diferentes. Em quatro das viagens, a sintonia era a da Nova FM – devo agradecer, pois não era sertanejo, nem pagode, nem funk.
Uma constatação imediata: "Oceano", clássico de Djavan, é de longe a preferida dos programadores da emissora. Não pode ser coincidência que nas quatro viagens, em horários distintos, a música tenha tocado.
Os quatro motoristas mostraram uma unanimidade assustadora: "Essa música do Djavan é muito legal. A música acabou há 30 anos, me recuso a ouvir coisa nova, só tem porcaria", disseram, mais ou menos, sobre o panorama musical.
Então quer dizer que a MPB não produziu mais nada de bom? A enxurrada de cantoras que apareceram depois de Marisa Monte não prestam? Nenhumazinha?
O fenômeno é o mesmo que avança há anos dentro do rock, com o predomínio, em muitas mídias, do chamado classic rock, que asfixia o surgimento de novos talentos, reduz as opções de divulgação e shows.
Na semana seguinte, duas situações, uma em um bar com música ao vivo e outro com música ambiente, com a execução de MPB. Eram locais frequentados por um público supostamente mais escolarizado e bem informado.
No bar com música ao vivo, na zona Oeste, a dupla de violão e teclado só reproduziu os velhos hits dos medalhões – é claro que teve "Oceano", de Djavan, "O Bêbado e o Equilibrista", de famosa na voz de Elis Regina, "Aquarela", de Toquinho, com a concessão de executar as "pouco conhecidas" "Meu Erro", dos Paralamas do Sucesso, e "Será?", da Legião Urbana.
João Ricardo, o violonista e vocalista, é bem direto ao falar sobre o seu repertório engessado e "dinossáurico": "Toco em vários bares da Vila Madalena e de Pinheiros com foco na MPB. A galera não quer saber de Céu, Criolo, Ana Cañas ou músicas de qualquer artista novo. E a molecada é a mais radical, só querem saber de músicas antigas de Caetano, Gil. Torcem até o nariz para alguma do Raul Seixas que não seja muito conhecida."
No bar/restaurante do bairro da Lapa, também na zona Oeste, com música ambiente – uma seleção de arquivos em MP3 em um computador novo -, o gerente que se identificou como Carlos afirmou que pen drive conta com 650 músicas de muitos autores, divididos em pastas. No entanto, ele garante que são poucas as pastas que são usadas e acessadas.
"Curiosamente, os nossos clientes conversam bastante, mas ouvem o que está tocando. Foi meio sem querer que a MPB virou a trilha sonora daqui. Às vezes a gente dá uma mudadinha de propósito para a ver a reação – samba, blues e jazz. A chiadeira é quase imediata. Os caras só gostam de música antiga, com muito Tim Maia, Elis Regina, Gilberto Gil e Jorge Ben. As mulheres prestam a atenção. quando toca algo que elas não conhecem, pedem para saber o autor e o nome da música. Só for artista mais recente, torcem o nariz e reclamam", conta o gerente.
É difícil detectar em momento a deturpação de parte do mercado começou ou se intensificou. É fato que coincidiu com a precarização da música como bem cultural, que ficou de graça e perdeu valor.
No entanto, é triste constatar que a "classic MPB", assim como o classic rock, se tornou uma amarra e um dilema nos dias atuais, e principalmente para quem se aventura a fazer música autoral no gênero.
É uma tendência dentro da MPB? É possível que seja. É nítido que contaminou emissoras de rádio, bares e casas de show, o que deixa as perspectivas sombrias para quem gosta de novidades.
É sempre bom relembrar as palavras de Roger Glover e Ian Gillan (baixista e vocalista do Deep Purple, respectivamente) a respeito do beco sem saída em que o classic rock jogou bandas importantes, mas veteranas.
De forma bem-humorada, mas resignada, os dois contaram so site inglês Blabbermouth.net uma passagem que curiosa, mas aborrecida, ao conceder a uma emissora sul-africana em 2005, quando divulgavam mundialmente o álbum "Rapture of the Deep".
"Era uma fase produtiva e estávamos orgulhosos do novo álbum", disse Gillan. "O mercado já estava virando, mas ainda havia bastante interesse pela música em geral. Os entrevistadores o público, que entrava ao vivo, só queriam saber do passado, de coisas obscuras e curiosas. Até conseguimos responder duas perguntas sobre o CD novo, mas o âncora, de forma abrupta, virou logo a conversa para falarmos de 'Smoke on the Water' e 'Highway Star", lançadas 40 ano antes…"
Como o Combate Rock havia detectado há algum tempo, o "classic" emperra parte do mercado musical e reforça um saudosismo preocupante e nocivo que avança resoluto pelos anos.
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