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Privatizar bibliotecas e o Centro Cultural escancara a mercantilização da cultura em SP

Combate Rock

30/01/2017 07h08

Marcelo Moreira

Políticas educacional e cultural e gestão pública são coisas que são inconciliáveis no Brasil. Desprezo e deliberada resistência a investir em tais áreas são as regras quando se trata discutir investimentos nas duas áreas.

E coube ao prefeito de São Paulo, João Doria, jogar mais gasolina na fogueira do inflamável tema "mercantilização da cultura". Quem imaginava que a área, solenemente desprezada durante a campanha eleitoral, conseguiria escapar da sanha privatista do prefeito, errou e por muito.

Privatização, concessão, terceirização, parceria público-privada… seja lá qual for a denominação que o administrador público do momento, que é um fanfarrão, queira dar, não terá como desmentir: Doria pretende se livrar de coisas incômodas, e a cultura é uma delas.

Seu projeto de "concessão" (terceirizar) a administração de um patrimônio valiosíssimo como o Centro Cultural São Paulo é uma das ações mais estapafúrdias urdidas na administração pública brasileira.

Sem vontade, ânimo ou competência para gerir a cultura, a administração Doria quer se livrar de aparelhos que são modelos e indispensáveis para a área cultural paulistana.

Assim como as tais organizações sociais que gerenciam equipamentos de saúde na capital paulista são uma fonte de problemas – como gerir bem se o objetivo é lucrar na saúde? -, terceirizar a administração de equipamentos públicos para empresas ou "agentes" que têm interesses muito diversos dos da população é um desastre.

Não é por outro motivo que o Teatro Municipal de São Paulo virou caso de polícia, com denúncias pesadas de corrupção envolvendo funcionários e o "modelo" de concessão implantado ainda na administração passada.

A campanha eleitoral de 2016 em São Paulo revelou de forma explícita o sintoma grave que contamina desde sempre as disputas e as posteriores administrações municipais: o papel secundário destinado a propostas nas áreas de cultura e educação.

Krisiun em ação no Centro Cultural de São Paulo (FOTO: MARCELO MOREIRA)

 

O Combate Rock analisou os programas de governo dos cinco principais candidatos a prefeito de São Paulo para verificar quais eras as propostas na área de cultura. O resultado foi aterrador, indo do genérico ao quase inexistente.

Fernando Haddad (PT) tinha ideias um pouco mais consistentes, em que pese as inúmeras reclamações sobre a qualidade da gestão na área – vindas inclusive de aliados e de integrantes de seu partido.

De qualquer forma, a atuação de Haddad na cultura, se foi insuficiente, pelo menos teve muito mais méritos e qualidades do que as performances de seus antecessores – Gilberto Kassab (PSD) e José Serra (PSDB). Seu programa apresentado na campanha pretendia expandir e melhorar o que tinha sido feito entre 2013 e 2016.

O eleito, no entanto, deixou claro em sua campanha eleitoral que a cultura era e seria a última de suas preocupações. Frases inócuas, conceitos vazios e pretensões genéricas, quase protocolares, transpirando uma "certa" inconveniência.

Empossado, Doria não "decepcionou" ao implantar imediatamente sua agenda privatista e de cunho "empresarial", enfatizando uma suposta e enganosa eficiência, seja no tal Corujão da Saúde (uso de leitos de hospitais privados dentro de um programa gerido pela prefeitura) ou nas ações marqueteiras de limpeza urbana – e destruição de obras de arte de rua, como importantes grafites em paisagens da cidade.

Portanto, a estultície de privatizar – ou dar uma "concessão" – o Centro Cultural São Paulo não deveria surpreender ninguém, por mais que muitos não acreditassem em tal bizarrice.

O conceito de privatização está longe de ser o horror que muita gente, geralmente de esquerda, alardeia. Quem viveu no Brasil entre os anos 60 e 80 lembra perfeitamente dos problemas terríveis que a estatização de muitos serviços causavam, irritando e atrapalhando a vida da população.

Entre os economistas e especialistas de cunho mais liberal, é consenso que o estatismo gera ineficiência, prejuízo e quase sempre corrupção em áreas em que o Estado não deveria se meter.

A Petrobrás, outrora modelo de gestão estatal, foi destruída sistematicamente por conta de seu uso político de forma predatória, com roubos bilionários que sangram a empresa desde os anos 70.

Se a privatização se mostrou adequada em várias situações, como na telefonia, telefonia celular e em partes do setor energético, por exemplo, nas áreas tradicionais onde o Estado tem de atuar por dever a coisa desanda – os presídios estaduais cedidos a empresas por concessão, gestão essa que está na gênese da crise carcerária.

Saúde, educação, cultura e segurança pública jamais devem ser terceirizados. Essa é uma regra básica que até mesmo os economistas e pensadores liberais concordam. O Estado jamais deve abrir mão da gestão nestes casos, sob pena de ver a administração ser "mercantilizada".

Korzus no Centro Cultural São Paulo (FOTO: MARCELO MOREIRA)

Em bom artigo publicado no site da revista "Brasileiros", o articulista Ivan Martins dá a dimensão da tragédia que seria a "privatização" das bibliotecas públicas municipais.

"Numa cidade que concentra serviços e oportunidades culturais na mesma proporção em que concentra renda e privilégios, o centro cultural da Vergueiro é um oásis de cidadania e decência", diz o texto.

"Pois o prefeito João Dória, na falta de problemas mais graves na cidade, anunciou que vai privatizar o CCSP e 52 das 107 bibliotecas públicas da capital, que constituem a maior rede de bibliotecas da América Latina – uma decisão que ele preferiu não mencionar durante a campanha eleitoral."

Martins finaliza com mais uma pancada: "Privatizar o Centro Cultural e as bibliotecas da cidade faz tanto sentido quanto estatizar as barracas de pastel da feira, a rede de lanchonetes McDonald's ou o shopping Iguatemi. Quer dizer, não faz sentido algum. É uma idiotice ou um ato de má fé. Por que desfigurar um serviço que funciona bem e cumpre exemplarmente a sua função social?" Clique aqui para ler o artigo na íntegra.

A campanha para se livrar dos equipamentos culturais escancara a política lesiva de desconstrução e desarticulação que o novo prefeito destinou à área do ensino e da cultura.

Privatizar/terceirizar/conceder/doar o Centro Cultural São paulo e as bibliotecas municipais será um dos maiores crimes no Brasil contra o patrimônio cultural.

 

 

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

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O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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