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A importância e o pioneirismo da Dorsal Atlântica com 'Antes do Fim'

Combate Rock

10/01/2017 07h00

Marcelo Moreira

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Um garoto enfezado e abusado, mandando todo mundo a merda e xingando em alto e bom som para chocar a todos: Pau no cu de Deus e de todo mundo". Em seguida, veio uma avalanche sonora de distorção e peso descomunal. Foi em um festival de música em Santa Catarina, em meados dos anos 80.

Carlos Lopes, guitarrista e vocalista da Dorsal Atlântica, nunca primou pela sutileza. Um dos mais radicais ativistas do rock brasileiro, transformou sua banda em um ponto importante de resistência política e cultural 30 anos atrás, estabelecendo a base para um movimento de contracultura relevante – e que foi bem captado pelo documentário "Guerrilha", sobre a banda.

Inteligente e articulado, Carlos Lopes, também conhecido como Carlos Vândalo, se tornou uma referência cultural no Rio de Janeiro, não só como músico mas também como jornalista e educador.

E a referência se estendeu ao rock pesado, com a Dorsal Atlântica lançando o estupendo e importante "Antes do Fim", provavelmente o principal trabalho de heavy metal extremo dos primórdios do som  pesado no Brasil.

Obra que chegou ao mercado no ano de 1986, foi uma paulada ma testa de todos que ainda achavam que o mais extremo e político que poderia ser impingido à sociedade pós-regime militar era "Cabeça Dinossauro", dos Titãs, obra importantíssima, mas menos contundente que o o LP porrada da Dorsal Atlântica e os petardos punks dos Garotos Podres.

Em um texto primoroso e essencial publicado na edição 215 da revista Roadie Crew, de dezembro passado, Lopes disseca a sua obra seminal com uma lucidez impressionante, realçando a importância história de "Antes do Fim" e explicando o contexto histórico em que a obra foi concebida.

"Antes do Fim" até hoje tem uma aura alternativa e underground, sendo subestimado por muita gente por ser "extremo", ou seja, não se encaixar no chamado rock nacional dos anos 80. Um equívoco imenso, já que sua mensagem poderosa penetrou de forma incisiva em um mundo que começava a se articular em torno do som pesado e agressivo.

Retorno

A relevância da Dorsal Atlântica até os dias de hoje foi a responsável pela ressurreição da banda, ao menos temporária, em 2012, para a gravação de novo álbum via financiamento coletivo.

 

O crowdfunding é uma espécie de "vaquinha profissional": no caso de shows nacionais e internacionais, um grupo de pessoas se junta, entra em contato com os artistas, levantam os custos de uma apresentação ou turnê pelo Brasil e vão atrás do dinheiro, que é obtido, na maioria das vezes, com a venda antecipada de ingressos.

No caso ainda incipiente de gravação de CDs, fãs e artistas levantam todos os custos envolvidos na produção e adiantam o dinheiro para o início dos trabalhos. Quem colabora ganha privilégios, como receber edições especiais do CD antes do público, material de áudio e gráfico exclusivo e até ingressos para shows, dependendo do caso.

"Passei 12 anos de minha vida ouvindo quase que diariamente que tinha de reativar a Dorsal Atlântica, que 'é uma referência na música brasileira'. Ok, acho que chegou a hora, mas se querem tanto que o grupo volte, então que seja um projeto sério e de qualidade, com a participação de todo mundo, inclusive dos fãs, colaborando para viabilizar o álbum", disse à época Lopes, guitarrista, vocalista e fundador do trio.

O músico foi bastante direto ao falar da questão. "Foi a forma que encontramos para fazer a vontade de muita gente. A Dorsal Atlântica é uma lenda, tem uma importância enorme no rock brasileiro, mas foi o projeto que não rendeu tanto dinheiro. Meus outros projetos, Mustang e Usina Le Blond, recebiam cachês mais altos. Precisávamos de R$ 40 mil à época e deu certo."

A formação que voltou é a do trio responsável pela clássica trilogia de LPs gravada entre 1984 e 1988 – "Ultimatum" (1984, dividindo com a banda Metalmorphose), "Antes do Fim" (1985) e "Dividir e Conquistar" (1987). Além de Lopes, voltam Cláudio Lopes no baixo, irmão de Carlos, e o baterista Hardcore.

Pioneira do som extremo no Brasil, misturando o heavy metal cru de bandas inglesas do início dos anos 80 com a urgência punk, a Dorsal Atlântica fazia um som sujo e bastante agressivo, ao contrário dos paraenses do Stress, que pendiam mais para a vertente tradicional do heavy metal. As duas bandas surgiram em 1981 e são consideradas as precursoras do rock pesado brasileiro.

Polêmico e engajado, Lopes carregou o trio por longos 18 anos, tocando no Brasil e no exterior, chegando a gravar um álbum na Inglaterra, "Straight", em 1996, um excelente produto que teve repercussão discreta no Brasil – o grupo trocou o português pelo inglês em seus álbuns a partir de 1988.

 

Discussões infinitas

Sempre disposto a uma boa briga, cansou de ser criticado por conta de sua aparente falta de modéstia – Lopes nunca se cansou de bradar que sua banda e seu trabalho, bem como ele próprio como instrumentista, eram muito importantes para a história do rock brasileiro, que é verdade. A autovalorização do Dorsal Atlântica sempre incomodou parte do público.

Com a campanha de financiamento coletivo para o último álbum, enfrentou as insinuações de que estaria "ficando rico" ao estabelecer em R$ 40 mil o valor do orçamento para gravar o CD.

"A Dorsal Atlântica não tinha esse recurso para bancar. Estou nesse negócio há mais de 30 anos para saber quanto custa cada coisa, já gravei e lancei 15 CDs por Dorsal, Mustang e Usina Le Blond. Eu sei quanto custa. Fui aucsado de querer 'ganhar dinheiro' em cima do público. Esses caras querem que monte meu equipamento na minha sala de estar, grave dez músicas em duas horas e saia distribuindo CDs toscos gravados em computador ou em pen drives. Desculpe, sei o quanto a Dorsal é boa e importante. Fiz questão de fazer direito."

 

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

Sobre o Blog

O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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