Sem ousadia, Rolling Stones voltam ao blues e se divertem bastante
Marcelo Moreira
À primeira vista parece um grupo de septuagenários brincando de fazer de blues. Na primeira audição, a coisa fica séria, mas ao mesmo tempo, um pouco divertida. Na segunda ouvida, vem a admiração: os caras sabem fazer a coisa direitinho.
"Blue & Lonesome", o novo disco dos Rolling Stones, é uma divertida reunião de quatro caras que se toleram há mais de 50 anos e que decidiram que podem fazer o que quiserem no estúdio – abandonaram a ideia de fazer álbuns com músicas autorais e partiram para tocar as músicas que gostam.
A providência mais importante: criar um clima favorável para que pudessem gravar e brincar com as músicas que os fizeram abraçar o blues e se tornar um símbolo de gênero musical.
Tinha de ter a ambiência dos estúdios Chess, de Chicago; tinha de ter o aperto (não tanto) dos estúdios pequenos da zona oeste de Londres; tinha de ter o timbre da guitarra semelhante àquele em que Keith Richards demorava horas para conseguir nos ampĺificadores que tinham à disposição.
Os caras conseguiram quase tudo isso. Não que fosse uma exigência para que o novo álbum pudesse ser registrado, mas o som que tiraram ficou claro que estavam bastante confortáveis.
O som abafado, deliberadamente tosco em algumas músicas, acaba sendo um presente para quem desconfiava de um mero disco de covers de blues – as versões de clássicos de seus mestres, como Muddy Waters, Willie Dixon, Howlin' Wolf e muitos outros.
Mesmo respeitando as principais características das composições escolhidas, não se trata de um mero disco de covers.
A inconfundível marca dos Stones está ali, impregnada em todas as canções – a guitarra do mestre Richards está suja, oleosa, chorosa e perfeita na maioria das canções, enquanto o slide de Ron Wood transporta o ouvinte para a beira do Mississippi.
Discreto, coeso e preciso, Charlie Watts não brilha, mas nem precisa: conduz e segura a onda como se estivesse brincando com seus cavalos, seu hobby favorito.
Entretanto, por mais que reconheçamos os méritos e a qualidade do que foi entregue, a sensação que fica é de que "Blue & Lonesome" não passa de um aperitivo.
Longe de ter sido feito no piloto automático, o álbum esteve longe de representar qualquer desafio artístico aos Rolling Stones. Jogaram em casa e com o jogo ganho desde sempre.
Por mais vontade que tiveram de fazer, finalmente, o tão prometido disco de blues, a sensação é de que falta alguma coisa. As versões são boas, corretas, reverentes, e as músicas deixam isso claro. Mas será que não valia a pena ser um pouco mais ousado e surpreender?
Mick Jagger nunca tocou tanta gaita em um trabalho dos Stones ou mesmo solo. Keith Richards sempre disse que o companheiro era um exímio gaitista, só que Mick nunca tinha se exposto tanto para demonstrar suas qualidades. Mostrou toda a sua destreza no álbum, especialmente em "Just a Fool", que abre o disco, um clássico de Little Walter, um dos principais gaitistas do blues.
"I Can't Quit You Baby", de Willie Dixon, ṕerde o vigor que o Led Zeppelin introduziu em sua incenidária versão, mas ganha uma densidade absoluta com a guitarra chorada de Richards e o slide de Wood.
"Ride'Em on Dawn", de Eddie Taylor, é um espanto de bom gosto, mantendo a força da versão original, mas com uma linha de baixo surpreendente.
"I Gotta Go", outra de Little Wallter, traz a melhor performance de Jagger na gaita, enquanto que "Everybody Knows About My Good Thing", de Little Johny Taylor, traz os Stones mais nervosos e pegajosos, como uma banda de boteco.
Em "Just LIke Treat You", mais uma do ídolo Dixon, Jagger começa como um crooner, para crescer na canção escorado por Richards, imprimindo densidade poética e uma carga dramática.
A melhor performance, entretanto, é na icônica "Commit a Crime", de Howlin' Wolf, com a recriação perfeita do clima esfumaçado de um saloon de beira de estrada, com guitarras sujas e batidas hipnóticas da bateria de Watts. Aqui os Stones mostram as cartas, explicitando a fama de uma banda perigosa, ainda que septuagenários.
Ouvir "Blue & Lonesome" é divertido e gostoso, com a remissão direta ao tempo em que o então quinteto estraçalhava no Crawdaddy Club, nos arredores de Londres, entre 1962 e 1963.
Pode-se até argumentar que o CD é desnecessário na discografia da banda, mas jamais descartável. Se não acrescenta muito, ao menos transforma um desejo antigo de homenagear os ídolos em um trabalho honesto e eficiente.
Mais do que nunca, "Blue & Lonesome" pode perfeitamente soar com um bom tributo aos próprios Rolling Stones, ainda que sem muito esforço e quase nenhuma ousadia. Depois de 54 anos na estrada, eles têm esse direito.
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