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Grande nome do blues, Igor Prado cai na soul music com Raphael Wressnig

Combate Rock

22/10/2016 07h00

Marcelo Moreira

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Viena, a capital da Áustria, fica ali na esquina. New Orleans, Memphis e Detroit também, bem pertinho de São Paulo. A proeza de reduzir distâncias é de uma dupla improvável de músicos aparentemente incompatíveis, com a ajuda de alguns mestres norte-americanos.

O guitarrista brasileiro Igor Prado, com sua banda, encontrou o pianista e tecladista austríaco Raphael Wressnig, respeitado músico europeu de blues, e o resultado é precioso: "The Soul Connection" juntou mundos diferentes, culturas distintas, em uma mistura temperada por cantores clássicos. Será que poderia dar errado?

"No começo ninguém sabia o que ocorreria, é óbvio, mais por conta de uma bagagem cultural e musical bem específica de cada um. Por mais que nos conhecêssemos, sempre paira aquela coisa: como é que vai ser? Vai dar certo?", brinca Prado, entre uma viagem e outra para os Estados Unidos – ele já perdeu a conta de quantas foram desde 2014.

Deu muito certo, e graças a uma decisão acertada: muito soul sem invenção, com tempero de blues, apostando na sensibilidade e no feeling de cada músico, tudo embalado com uma produção sóbria, que valoriza os timbres e os detalhes. O álbum já está disponível pelo selo Chico Blues Records.

E detalhes talvez seja a principal característica imprimida por Wressnig no trabalho. Em um ambiente diferente – as músicas foram gravadas em  dois estúdios de São Paulo, com ótimos resultados -, o tecladista austríaco se esforçou bastante e conseguiu criar climas belos e densos com o órgão Hammond B-3. Esse instrumento fez toda a diferença, com muito bom gosto, e incrementando o resultado final.

Já Prado modificou um pouco a forma de tocar. A sofisticação e a elegância dos fraseados continuam as mesmas do excelente e premiado álbum "Way Down South", da Igor Prado Band, mas em "The Soul Connection" a sua guitarra ganha mais tempero e solta faísca, mergulhando um groove diferente a bem adequado ao balanço que o repertório exigia.

O maior exemplo disso é a faixa instrumental "No-La-Fun-Ky", uma das duas que levam a assinatura do guitarrista como compositor (em pareceria com o amigo Rodrigo Mantovani). Como o nome entrega, é um funk malandro, cheio de ginga e com toques de blues bem brasileiro. Revela como o entrosamento entre o brasileiro e o austríaco se tornou diretamente responsável pela boa qualidade da obra.

De certa forma, ajudou o fato de que Prado estava "em casa", literalmente, nas gravações – a banda de suporte era a Igor Prado Band, formada pelo irmão Yuri na bateria e pelo baixista monstro Rodrigo Mantovani – e quase metade do disco foi gravado no seu Prado Studios.

 A produção simples e sóbria também deu muito certo na hora de registrar as vozes dos cantores convidados. O incansável Willie Walker, o eclético David Hudson e o intenso Leon Beal estiveram bem à vontade para trazer o clima do sul norte-americano.

Prado, Wressnig e Chico Blues, os produtores, deram bastante liberdade para os arranjos vocais fossem adaptados rapidamente e sem complicação. Foi assim que Walker, que anda mais pelo Brasil do que pelos Estados Unidos, gravou a ótima "Trying to Live My Life Without You", clássico de Eugene Williams e imortalizada por Otis Clay. Walker canta com tanta naturalidade  que parece ter gravado no quintal de casa.

Ele também brilha em "Suffering with the Blues", com um feeling assustador em uma balada melancólica, que teve um show de Prado nas guitarras. Já David Hudson mandou muito bem em "Turning Point", uma das melhores do álbum.

São vários os bons momentos entre as músicas instrumentais, mas duas se destacam. "Turnip Greens", de Wressnig, mergulha na vive dos anos 60, estabelecendo uma conexão com o rock, não só pela guitarra incendiária de Prado, mas pela pegada "Billy Preston" (tecladista norte-americano famoso por ter tocado com os Beatles e com os Rolling Stones, entre outros). o Hammond B-3 sola e conduz ao mesmo tempo com muita habilidade e inteligência.

"The Face Slap Swing Nº 05" é de autoria de Igor Prado e acaba sendo uma elegia a sua versatilidade. É jazz puro, com algumas passagens lembrando muito os mestres Joe Pass, John Scofield e o brasileiro Michel Leme. Os solos são bem equilibrados e a condução rítmica não tem excessos, embora haja espaço para certo virtuosismo.

Wressnig também brilha no clima de "jam session", mas é Prado quem dá as cartas na faixa que provavelmente simboliza "The Soul Connection" em termos de clima e sonoridade.

Fica mais do que evidente que Igor Prado acertou em cheio ao escolher o austríaco como parceiro em uma guinada, de certo modo, em sua carreira.

Aliás, Prado é um artista intrigante: elogiado e reverenciado no blues underground brasileiro, esteve para "estourar", digamos assim, já há algum tempo por ótimos trabalhos, mas nunca teve pressa. Metódico e detalhista, sempre mirou a consolidação da carreira antes de se aventurar por outras praias, como disse neste ano em entrevista ao programa de web rádio Combate Rock.

"Posso até não ter muita idade (33 anos), mas já são mais de 15 anos batalhando nos bares e nas turnês em um gênero que bem underground no Brasil. Posso dizer que sou veterano como músico e que fiquei satisfeito como as coisas aconteceram e com o reconhecimento de agora", diz o guitarra.

Ele se refere ao sucesso que o álbum "Way Down South" fez nos Estados Unidos – pela primeira vez na história, um artista de blues não americano liderou as paradas de blues segundo a respeitada instituição Living Chart Blues – isso aconteceu em 2015.

Neste ano, o álbum foi indicado para o prêmio de melhor artista revelação do Blues Music Award, a mais importante premiação do blues americano. Perdeu para Mr. Stapp, mas ingressou definitivamente na elite blueseira ianque. Não é pouca coisa.

Com "The Soul Connectioin", ao lado de Rapahel Wressnig, Igor Prado e sua banda dão um passo bem largo à frente, ampliando os horizontes e, principalmente, alargando as possibilidades sonoras de uma carreira em ascensão.

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

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O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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