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A má-fé e a ignorância não podem acabar com a Lei Rouanet

Maurício Gaia

25/05/2016 07h00

Os tempos andam sombrios para a classe artística e produtores culturais. Desde o início da crise política que paralisou o país e a constatação do enorme déficit nas contas públicas fez com que muita gente começasse a rediscutir os investimentos governamentais, entre eles as leis de incentivo à cultura, mais especificamente  a Lei Rouanet. Além disso, a manifestação de apóio à presidente afastada Dilma Roussef por alguns artistas deu margem à criação de uma patrulha ideológica, onde se acusava estes artistas de receberem dinheiro, via leis de incentivo, para defender o governo. Hoje, está previsto o protocolamento de uma CPI para investigar suposto mau uso da lei pelo governo afastado.

Quem diz que a leis de incentivo, especificamente a Rouanet, constituem "bolsa-artista" ou o faz por má-fé ou por desconhecimento dos mecanismos da Lei Rouanet. Não existe "bolsa-artista". Primeiro, que o projeto cultural não recebe dinheiro diretamente por este mecanismo. A lei concede a possibilidade de captar junto a empresas e pessoas físicas dinheiro que seria destinado ao pagamento de impostos. Quem define qual projeto/artista receberá o investimento são, no caso das empresas, os responsáveis pelas áreas de marketing e comunicação corporativa das mesmas. Então, quando você vê certos perfis raivosos no twitter vociferando que artista tal recebe dinheiro do governo, saiba: quem deu o cheque foi uma empresa como Itaú, Oi, Petrobrás, Pão de Açucar ou Natura.

Cultura é tão necessária quanto educação ou saúde. Ela faz parte da identidade de um povo, liberta e empodera as pessoas. Outro ponto, o ex-MinC, depois Secretaria, agora MinC novamente (que confusão amigos, que confusão)  conta com um orçamento de 0,38% do governo federal. É ridiculamente inferior aos das pastas da Saúde ou Educação. Não é cortando festivais de música, cinema, teatro, dança, por exemplo, que teremos mais hospitais, melhores médicos ou professores. Ao contrário, professor que não lê, médico que não vai ao cinema, pedreiro que não vai ao teatro, entre tantos exemplos, poderão até serem bons no que fazem, mas pode ter certeza, quanto mais acesso à cultura eles tiverem, melhores serão, como profissionais e cidadãos.

Terceiro, voltando ao discurso dos boçais: a suposta vinculação partidária para conseguir habilitar seu projeto na Rouanet não existe. Os projetos são avaliados por um corpo técnico do ministério e, algumas destas avaliações são públicas, podendo ser acompanhadas pela internet. Dias atrás, li o jornalista Gaudêncio Torquato apontar que a atriz Marieta Severo havia recebido 4 milhões de reais via Lei Rouanet.

A atriz, além de peças de teatro, administra um teatro no Rio de Janeiro, e é conhecida por sua militância à esquerda. Mas tenho certeza que peças de teatro e adminstrar um teatro não são atividades que não gerem custos. Com certeza, ela não colocou os 4 milhões no bolso. Ela utilizou esta verba para realizar coisas e que, além de tudo, empregou pessoas, contratou serviços de terceiros, etc e tal. E sim, ela milita à esquerda. Mas isso não quer dizer nada: um musical como "Familia Addams" captou 13 milhões de reais. Não consta que nenhum ator ou produtor ligado ao espetáculo tenha manifestado apoio aos governos Lula ou Dilma Roussef.

O Festival DoSol é um dos vários projetos que recebem dinheiro via lei de incentivo fiscal (Foto: Divulgação)

O Festival DoSol é um dos vários projetos que recebem dinheiro via lei de incentivo fiscal (Foto: Divulgação)

 

A Lei Rouanet precisa de ajustes? Com certeza! Talvez o maior problema dela seja justamente o de delegar ao mercado quais projetos efetivamente recebem o incentivo – um projeto encabeçado por um artista de maior visibilidade  tem muito mais chances de captar dinheiro do que um projeto de dança de uma comunidade quilombola no Vale do Ribeira, por exemplo, porque a lógica do mercado é esta: encara-se este tipo de incentivo como investimento de marketing, procurando visibilidade de marca. Da mesma maneira, a seleção de projetos precisaria contemplar os que tem menor possibilidade de retorno financeiro: uma das principais críticas do ministro afastado Juca Ferreira à Lei era o fato da edição de 2011 do Rock in Rio ter obtido recursos via renúncia fiscal, claramente uma burla a sua finalidade, por exemplo.

Além disto, a Rouanet não é a única lei de incentivo à cultura existente no país. Diversos estados e municípios também possuem mecanismos semelhantes. Neste momento de confusão política, a Lei Rouanet, assim como as demais leis de incentivo à cultura precisam ser preservadas e defendidas de ataques de gente que utiliza a canalhice e a desinformação para destruí-las, sabe-se lá com quais objetivos.

Na última edição do Programa Combate Rock, dedicamos dois blocos ao assunto. Clique no player para ouvir o programa

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

Sobre o Blog

O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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