A musa do Sonic Youth derrapa em autobiografia dispersiva
Marcelo Moreira
A garota da banda quis mostrar esperança e luz, mas preferiu destilar muito ressentimento. Kim Gordon, a baixista do extinto Sonic Youth, esbanjou sinceridade e franqueza em sua autobiografia lançada recentemente no Brasil, mas abusou do tom melancólico e, infelizmente, o fim de seu casamento acabou por contaminar o livro.
"A Garota da Banda", da editora Fábrica231, tinha tudo para ser uma obra interessante, com bastidores de uma banda diferente e igualmente interessante, embora com um som esquisito e difícil. Há trechos legais, mas a narrativa é irregular e desconexa, privilegiando divagações sobre o universo masculino do rock e suas impressões sobre amigos e conhecidos.
A boa tradução até que se esforça, mas não consegue dar uma unidade a eventos esparsos narrados. Kim tem o domínio das palavras – frequentemente escreveu argidos sobre variados assuntos para revistas norte-americanas -, mas aparentemente nao organizou satisfatoriamente suas memórias.
O livro assume que é uma autobiografia, mas mas a narrativa possui buracos grandes, que dão a impressão de serem propositais. Começou como uma autobiografia, mas acabou como uma coletânea esparsa sobre fatos específicos.
Fatam informações mais precisas, por exemplo, sobre a formação musical de Kim – uma garota de classe média do sul da Califórnia, filha de pais acadêmicos e com um irmão mais velho esquizofrênico, que teve impacto determinante em sua personalidade.
Espera, inteligente, mas tímida e supersensível (em suas próprias palavras), teve uma infância relativamente normal e feliz e uma adolescência totalmente comum, embora seu interesse por artes em geral ficasse cada vez mais evidente.
O relato tenta desvendar como a dinâmica familiar resultou em sua personalidade – pai professor universitário recluso e ensimesmado, irmão esquizofrênico e agressivo, mãe pragmática e sem muita sensibilidade.
A ex-baixista do Sonic Youth perde tempo demais ao analisar tais aspectos, sem chegar a uma conclusão, e simplesmente não informa quando e onde aprendeu a tocar violão, guitarra e baixo – nem uma menção a isso. Ela prefere discorrer sobre suas atividades como assistente de marchands em galerias de arte em Los Angeles quanto tinha entre 18 e 22 anos.
O leitor mais desavisado só vai receber alguma informação de que ela sabe tocar alguma coisa na metade do livro, quando Kim diz que ganhou uma guitarra usada de presente de uma amiga – era do ex-namorado desta, que então resolveu "doar " o instrumento.
São pífias as informações sobre a formação do Sonic Youth – ela até dá alguns detalhes de como conheceu o guitarrista Thurston Moore, que viria a ser seu namorado e depois marido por 27 anos. Ela conta que os dois começaram a sair juntos, e de repente aparece o Sonic Youth já ensaiando, em 1981, sem maiores detalhes.
Na segunda metade do livro, Kim Gordon escolhe alguns fatos isolados da história da banda para tentar traçar uma trajetória que tente fazer sentido mde forma cronológica.
A obra melhora, pois a garota da banda finalmente resolve falar de música e não mais sobre artes plásticas e sobre suas divagações sobre as diversas tentativas de entender o universo masculino, em especial o ligado às artes.
Essas tentativas, aliás, permeiam toda a obra e são responsáveis pelo tom ressentido, de certa forma. De cara Kim dá a letra de como vai conduzir o texto, pois o primeiro capítulo expõe o clima ruim que dominou o último show do Sonic Youth, em meados de 2012, na cidade de Itu, interior de São Paulo, no festival SWU.
Já separada de Moore – o fim do casamento ocorrera meses antes -, ela não economiza rancor em relação ao ex-marido e fala abertamente que a separação e o divórcio ocorreu devido a uma traição. Kim consegue transmitir a diiculdade que foi fazer aquela turnê sul-americana, já que não trocava palavras com o ex-marido e guitarrista.
Com o fim do relacionamento, a continuidade da banda naufraga, com a aparente indiferença de Moore, que a ignorava no fim da turnê e se mostrava animado com seus projetos solo após o fim do Sonic Youth.
A relação de codependência com o ex-marido e companheiro de banda é um reflexo, segundo a própria autora, de como foi influenciada pela convivência conturbada, mas intensa, com o irmão mais velho esquizofrênico e com o pai intelectual e distante, bem como uma série de fracassados relacionamentos amorosos antes de conhecer Moore.
Kim Gordon pretendia fazer uma autobiografia comentada, digamos assim, mas o resultado final está mais para um perfil biográfico pouco rigoroso.
Não é uma leitura chata, mas os mais exigentes sentirão falta de informações e detalhes da carreira musical do Sonic Youth, uma das bandas mais curiosas do rock, com trajetória única e som completamente distinto.
As passagens ressentidas e as muitas divagações, aliadas a informações de menos sobre a própria banda, comprometem o resultado. Eloquente e prolífica nos artigos temáticos, decepciona quando se esperava que pudesse contar mais sobre o Sonic Youth. Esperava-se bem mais de Kim Gordon.
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