Serguei, o anjo maldito do rock, ganha um documentário de respeito
Marcelo Moreira
O cantor Serguei foi um dos personagens mais interessantes do rock brasileiro de todas as eras, ainda que suas histórias, sua biografia e seus maneirismos o colocassem no limiar entre a realidade e a ficção, sempre colocando uma sombra sobre a verossimilhança das lendas que o cercaram.
Culto, excêntrico e inteligente, Serguei se aproveitou ao máximo de sua trajetória impressionante de 82 anos de vida, mesmo que isso tenha custado a fama que um dia julgou merecer – os excessos de todos os tipos, inclusive os da língua, definitivamente cobraram o seu preço.
O personagem fascinante, que foi tratado como uma mera caricatura dos excessos da vida roqueira pela mídia, ganhou um documentário de boa qualidade feito por um admirador.
Não espere um rigor jornalístico extremo da obra "O Divino do Rock – O Anjo Maldito do Rock Brasileiro", do paulista Marcio Baraldi. Desenhista, cartunista e chargista premiado e ativista político respeitado, Baraldi mostrou talento para retratar a trajetória de Serguei.
Com sensibilidade e reverência (até demais, mas está dentro do conceito da obra), o diretor não inventa, e traça um painel bem completo sobre a carreira do carioca Sergio Augusto Bustamante, provavelmente roqueiro de nascença, antes mesmo de o rock ter surgido no Brasil.
Com 82 anos de idade e mais de 50 dedicados à música, com predominância do rock, Serguei decidiu ser um cidadão do mundo já nos anos 50.
Largou tudo e decidiu morar anos nos Estados Unidos, onde conheceu o rock direto na fonte, em seu início. Pioneiro da aviação comercial, por assim dizer, trabalhou como comissário de bordo e rodou o mundo com a vantagem ser charmoso e carismático – garante ter dançado com a diva italiana do cinema Gina Lollobrigida, namorado Janis Joplin e de ter ganho a parada na bebedeira com Jimi Hendrix e Jim Morrison.
Respeitado músico nos anos 60 e 70 no Brasil, acabou sendo tragado pela roda viva da vida, e lentamente foi submergindo no underground cultural brasileiro, soterrado pela própria biografia espalhafatosa e pela descrença generalizada de um meio cultural conservador e despreparado para lidar com uma figura excêntrica e elétrica.
Nem mesmo a sua apresentação no Rock in Rio em 1991 conseguiu livrá-lo da pecha de mera curiosidade e de lenda embolorada e pouco crível, infelizmente. Apesar da exposição, foi tratado injustamente como uma mera excrescência do show biz e uma figura decadente, quase como uma chacrete roqueira no Brasil.
O filme de Marcio Baraldi, ainda que tardiamente, coloca a história nos trilhos e reverencia a trajetória de um artista inquieto e talentoso, provavelmente avançado demais para um país periférico, onde importantes figuras da cena cultural tiveram a coragem – e a burrice – de fazer uma passeata contra a guitarra elétrica, e isso em 1966, para regozijo do regime militar que empesteava o Brasil.
O documentário, que foi lançado em DVD, traz entrevistas com Serguei e artistas como Ritchie e integrantes dos Paralamas do Sucesso, Made in Brazil, Kid Abelha e Barão Vermelho, entre outros, além de raras imagens de TV e cinema de apresentações do cantor no Brasil.
Trabalho louvável e importante, o documentário de Baraldi sobre Serguei pode até reforçar alguns mitos e lendas, mas tem a sensibilidade e e a habilidade para extrair de um personagem muito interessante não só o lado bizarro e performático, mas também a figura humana estranha e inquieta por trás do personagem roqueiro dos extremos.
Sobrevivente do rock, Serguei com certeza pode se ombrear ao imortal Keith Richards, dos Rolling Stones. Afinal, é bem mais velho que o stone e ainda pode se orgulhar de façanhas na vida quando o guitarrista nem mesmo tinha aprendido a dedilhar seus instrumentos. Não é pouca coisa.
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