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Manic Street Preachers, o lado subversivo do britpop - parte 2

Combate Rock

19/04/2015 11h00

Caio de Mello Martins – publicado originalmente no site Roque Reverso

Sobre a nostalgia da psicodelia na Inglaterra, revivida graças ao sucesso das bandas shoegaze como Verves e Slowdive, Richey declarou que "sempre odiaremos mais o Slowdive que Hitler". Em típica bravata, a banda anunciou que iria ultrapassar o début dos Guns N' Roses em vendas e fazer a maior turnê mundial de todos os tempos (uma volta ao mundo sobre palcos apelidada de "from Bangkok to Saigon") para, "heroicamente", decretar o fim de sua existência, tão fugaz quanto a vida útil de uma Coca-Cola.

Não foi exatamente o que aconteceu. "Generation Terrorists", o primeiro álbum da banda lançado pela EMI em 1992, rendeu a banda um disco de ouro na Grã Bretanha e um nada impressionável 17o lugar para o principal single, "Motorcycle Emptyness". Tampouco foi o canto de cisne da banda, que no ano seguinte já estava lançando a sequência, "Gold Against The Soul". Não obstante, é um raro caso de vida intelectual ativa no hard rock.

As letras de Richey, uma tortura auto-expiativa, revelam sua implacável (e paranóica) compreensão do mundo contemporâneo, apresentando-o como uma pantomima infame que anula qualquer possibilidade de autenticidade e autonomia critica. James, por sua vez, é dono de uma privilegiada musicalidade, capaz de transformar letras intrincadas em grandes melodias pop.

Como guitarrista, sua criatividade em encaixar riffs infalíveis de puro hard rock oitentista fica patente em faixas como "Condemned to Rock 'n'Roll", "Slash N' Burn" e "So Dead". Apesar de irregular em sua consistência, o álbum impressiona pela ambição artística: citações de Camus, Rimbaud, Nietzsche e George Orwell acompanham as faixas no encarte.

Pensado como um grande "Happening" para chacoalhar a indústria cultural em suas entranhas, "Generation Terrorists" não alcançou seu objetivo inicial e, com isso, restou a banda a (cínica) luta para honrar seu contrato com a EMI e manter-se relevante no mercado. Em seu segundo álbum, a banda tentou atualizar seu som com ogroove que assolava as paradas mundiais graças a lançamentos inescapáveis como "Screamadelica" e "Achtung Baby". Fora a diluição do som, o que estava fazendo a banda ruir eram os terríveis surtos de depressão de seu problemático mentor.

Em suas crises, Richey sofria de anorexia, praticava automutilação e se afundava no alcoolismo. Dúvidas pairam sobre a contribuição musical de Richey para a banda – em mais de uma vez, foi flagrado em shows com sua guitarra desplugada – entretanto seu total estado de embriaguez obrigou a banda a cancelar alguns shows em 1993. Muito embora já tivesse escrito material o bastante para garantir ao menos 80% das letras do próximo álbum, Richey vivia entrando e saindo de clinicas e, afora tenha assinado a concepção artística da futura obra, esteve em grande parte afastado de seu processo criativo.

FOTO: DIVULGAÇÃO

FOTO: DIVULGAÇÃO

Nessas reviravoltas que fazem do rock algo tão apaixonante – e reviravoltas não faltam para os Manics – a banda lancou em 1994 o que ficou conhecido como sua obra-prima. "The Holy Bible" possui letras que revelam uma fragilidade tão intima quanto desconcertante, opiniões e imagens tão genuínas quanto abomináveis – e por conta deste fluxo continuo de verdades tão sinceras quanto poéticas, arrebatam o ouvinte por sua humanidade. Sonoricamente, é um animal bem diferente dos Manics ao qual o público inglês havia se familiarizado.

Pode-se considerar "The Holy Bible" o primeiro álbum de Britpop, reconectando-os ao panteão do rock inglês — um pop desconstruído, é verdade, ainda que James Bradfield não tenha perdido em absoluto sem grande dom por solos melodiosos (antes de dizer que estou babando ovo, ouça "Archives of Pain"). Ecos de Joy Division, Gang of Four, Simple Minds (os primeiros álbuns) e Siouxsie And The Banshees se revelam a cada ritmo fraturado, a cada textura abrasiva, e também na ambiência fantasmagórica criada como contexto para as assombrosas e gráficas confissões de Richey: anorexia, violência institucionalizada e misantropia aparecem sem recalques nem auto-comiseração. Fãs de Nirvana podem notar um macabro paralelo entre "The Holy Bible" e a ultimo gesto criativo de Kurt Cobain, "In Utero".

A ênfase no macabro explica-se: seria o ultimo álbum antes que Richey desaparecesse sem deixar rastros e antes que o trio se reinventasse como uma instituição do Britpop, ressurgindo com hinos açucarados do estilo que nem de longe lembra o som agressivo e a pose atrevida de outrora.

Richey foi dado como morto pela família em 2008, após treze anos de sumiço. Investigações dão conta que em 1995, quando tinha 27 anos, o artista sacou diariamente 200 libras durante as duas semanas anteriores a seu desaparecimento. Em 1o de fevereiro, mesmo dia em que deveria embarcar com James para a turnê norte-americana, Richey fechou a conta do hotel onde estava em Londres e dirigiu para Cardiff, capital do País de Gales. Há ainda a declaração de um taxista que, uma semana depois, o teria pegado como passageiro em Newport, País de Gales, e o deixado perto da ponte Severn, local nas proximidades da cidade inglesa de Aust e um conhecido ponto de suicidas. Seu carro, encontrado perto da ponte, foi dado como abandonado no dia 14. Fãs alimentam a lenda clamando terem visto Richey em lugares tao dispares quanto Goa e as Ilhas Canarias, mas nenhuma dessas alegações foi confirmada.

Um posfácio apócrifo para essa formação dos Manics, que tanto se arriscou em termos de criatividade e brilhou com talento e coragem. Merece, certamente, a atenção de qualquer pessoa minimamente interessada em entender a passagem dos anos 80 para os 90 e em conhecer os voos roqueiros sobre a metalinguagem da arte.

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

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