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1969, o ano do heavy metal que nunca acabou

Combate Rock

24/01/2015 21h36

Marcelo Moreira

Led Zeppelin em 1969, na época de gravação do primeiro álbum: da esq. para a dir., John Bonham, Robert Plant, Jimmy Page e John Paul Jones (FOTO: DIVULGAÇÃO)

Led Zeppelin em 1969, na época de gravação do primeiro álbum: da esq. para a dir., John Bonham, Robert Plant, Jimmy Page e John Paul Jones (FOTO: DIVULGAÇÃO)

Ainda se discute por todo o lado quando o heavy metal foi inventado. Black Sabbath em 1969? Blue Cheer em 1968? The Troggs em 1967? Ou The Kinks, com "You Really Got Me" em 1964? Ou foram os Beatles com "Helter Skelter", no "Álbum Branco", de 1968? Mais fácil é cravar 1969 como o ano zero e mais importantes daquilo que se convencionou de chamar de rock pesado.

Foram naqueles 12 meses que surgiram para o mercado as bandas e os músicos que iriam revolucionar o rock da década seguinte, na onda do fim da era hippie e dos anos da psicodelia. Há 46 anos o mundo da música deixaria em segundo plano a paz e o amor para apostar no barulho e no peso, com letras mais desafiadoras e depressivas, assim como temas mais soturnos. A efeméride é tão importante que a revista inglesa Classic Rock Magazine de janeiro passado dedicou quase 30 páginas ao assunto.

A música pesada começou a ganhar corpo ainda em 1967, sempre na Inglaterra. Jeff Beck decide sair dos Yardbirds e turbina o seu blues lisérgico com muita distorção, atingindo um peso até então inédito no rock.

O problema é dois amigos e rivais faziam a mesma coisa ao mesmo tempo na mesma cidade, Londres. Beck, ao lado de Rod Stewart (vocais), Ron wood (baixo) e Mick Waller (bateria) buscava um blues mais autêntico e livre, com muita experimentação. E fazia de suas apresentações algo próximo do que o Led Zeppelin viria a fazer.

Só que o Cream, de Eric Clapton, a poucos quarteirões de distância, buscava a mesma coisa, e com muito mais distorção e peso, apostando na mistura de blues distorcido e jazz para que a experimentação ficasse "completa" – contribuía para isso o gênio do baixo Jack Bruce, que praticamente inventou o timbre gordo e cheio de seu instrumento, junto com John Entwistle (The Who).

Nas vizinhanças do Cream, em um estúdio londrino apertado, Jimi Hendrix refinava a busca por um rock mais visceral e cheio de efeitos e distorções inimagináveis. Estava aberto o caminho para a busca por mais peso e mais potência.

Jeff beck Group em 1968: Rod Stewart, Ronnie Wood, Mick Waller e and Jeff Beck (FOTO: Michael Ochs Archives/Getty Images)

Jeff beck Group em 1968: da esq. para a dir., Rod Stewart, Ronnie Wood, Mick Waller e and Jeff Beck
(FOTO: Michael Ochs Archives/Getty Images)

No ano seguinte, Beatles (com a já citada "Helter Skelter") e The Who mergulham no peso, oferecendo novos timbres de guitarra e abusando da potência dos equipamentos – principalmente o Who ao vivo, como se pode perceber nos históricos shows de 5 e 6 de abril de 1968 no Fillmore East, de Nova York. Do outro lado do Atlântico, o MC5 começava a sua caminhada suja e barulhenta nos arredores de Detroit, enquanto o Blue Cheer perseguia o som pesado puro e simples na Califórnia.

Mas são os ingleses que dão forma ao verdadeiro som furioso e revolucionário em 1969. Com o Led Zeppelin estremecendo o rock com seu primeiro álbum, "Led Zeppelin", ousando sobrepor camadas de guitarras e colocando o baixo com mais proeminência, criando um ambiente sonoro mais tenso, e, de certa forma, mais claustrofóbico, distorcendo o blues tradicional de "I Can't Quit You", clássico de Willie Dixon, e abrindo a porta a pontapés com a pancada "Communication Breakdown", para nocautear o ouvinte com o peso de "How Many More Times".

O massacre continuaria no fim do mesmo ano, com o segundo álbum do quarteto, "Led Zeppelin II", mais refinado e mais intenso, que daria a forma definitiva do rock pesado que se disseminaria pela década seguinte.

O ano marcaria a fundamental mudança na formação e de conceito de uma banda conceituada, mas pouco ouvida. Sai o rock progressivo/psicodélico e entra o hard rock; saem Nick Simper (baixista) e Rod Evans (vocalista), e entram Roger Glover (baixista) e Ian Gillan (vocalista), ambos do Episode Six; Jon Lord (tecladista) sai da direção musical, cedendo o lugar a Ritchie Blackmore (guitarra).

Primeira foto de divulgação da então nova formação do Deep Purple, em 1969: a partir da esq., Jon Lord, Ian Paice. Ian Gillan, Ritchie Blackmore e Roger Glover

Primeira foto de divulgação da então nova formação do Deep Purple, em 1969: a partir da esq., Jon Lord, Ian Paice. Ian Gillan, Ritchie Blackmore e Roger Glover

Os arranjos pomposos de teclados e cordas caem para o segundo plano, deixando espaço para a guitarra e o baixo tomarem conta do som do Deep Purple. Os três primeiros álbuns, gravados entre 1967 e 1969? Esqueça, são de uma banda completamente diferente. "Concert for Group and Orchestra", de 1969, a estreia dos novos integrantes, foi ousado, mas um interlúdio para preparar a porrada que viria no ano seguinte com "In Rock".

Enquanto tudo isso acontecia em Londres, Tony Iommi decidia que iria continuar no Earth, grupo que montou com amigos na industrial Birmingham, no leste do país. Frustrado com sua passagem pelo Jethro Tull meses antes, decide fazer seu quarteto de blues acontecer, na esteira do Savoy Brown, do Fleetwood Mac e do John Mayall's Bluesbreakers.

Mal sabia o guitarrista que os oito meses entre junho de 1969 e fevereiro de 1970 seriam cruciais para que ele e seus amigos aprimorassem uma espécie diferente de blues, em volumes altíssimos, e praticamente criassem um novo estilo de música – ou ao menos um gênero musical dentro do rock.

A banda Earth encontra uma homônima e decide mudar o nome para Black Sabbath no finalzinho do ano, para finalmente nos dois meses seguintes lapidar o som e gravar o disco de estreia, lançado em fevereiro, três meses antes do fim dos Beatles.

Black Sabbath em 1970: em cima, da esq. para a dir., Geezer Butler, Bill Ward e Ozzy Osbourne; Tony Iommi está sentado (FOTO: DIVULGAÇÃO)

Black Sabbath em 1970: em cima, da esq. para a dir., Geezer Butler, Bill Ward e Ozzy Osbourne; Tony Iommi está sentado (FOTO: DIVULGAÇÃO)

Na cola de um som pesado e mais visceral, o Uriah Heep viu uma oportunidade quando o primeiro álbum do Black Sabbath saiu. Formado no final de 1969 por um guitarrista feioso, mas dinâmico, e um tecladista virtuoso, estava indeciso entre o hard rock e o rock progressivo.

O som ficou mais pesado quando o Black Sabbath e o Deep Purple mostraram como se fazia com seus álbuns lançados em 1970. Naquele ano a banda soltaria "Very 'Eavy… Very 'Umble", ainda hesitante quanto ao direcionamento.

No começo de 1971 viria "Salisbury", totalmente progressivo – influência do tecladista Ken Hensley, mas sem bons resultados, o que contribuiria para que o guitarrista Mick Box assumisse as rédeas e optasse por um som mais agressivo, mas mantendo a pegada progressiva de Hensley.

Deu certo: no final do mesmo anos de 1971 seria lançado o primeiro grande álbum da banda, "Look at Yourself", que inaugura uma sequência de cinco álbuns magistrais que termina em 1974 com "Wonderworld".

E o eixo Londres-Birmingham iria ferver ainda em 1969. O Judas Priest começava a sua trajetória na cidade do Black Sabbath, ainda como uma banda de blues rock tradicional, mas cada vez mais direcionado para as guitarras. K.K. Downing (guitarra), Ian Hill (baixo, o único que permanece da formação inicial) e o vocalista Al Atkins vão lenta e obstinadamente moldando o som do grupo, cada vez mais vigoroso e rápido, observado os conterrâneos Deep Purple, Black Sabbath, Uriah Heep, Humble Pie, Slade e os escoceses do Nazareth conseguirem êxito com peso e potência.

No entanto, ainda demoraria quase cinco anos, na virada dos anos 1973/1974, para que a banda finalmente e se estruturasse – já com Rob Halford (vocais) e Glenn Tipton e servisse de base para a incipiente New Wave of British Heavy Metal, na década seguinte.

Imagem rara do Uriah Heep em 1970, pouco depois de gravar o primeiro álbum (FOTO: DIVULGAÇÃO)

Imagem rara do Uriah Heep em 1970, pouco depois de gravar o primeiro álbum (FOTO: DIVULGAÇÃO)

Por fim, outro grande do rock pesado dos anos 70 iniciaria sua trajetória no ano zero do rock pesado. Phil Mogg (vocal), Pete Way (baixo), Andy Parker (bateria) e Mick Bolton (guitarra) criaram o Hocus Pocus na periferia da cidade tendo como espelho gigantes como Jimi Hendrix Experience, Jeff Beck Group, o então iniciante Led Zeppelin, o Who, o Fleetwood Mac, o Savoy Brown e muitos outros. Foram anos tocando em barzinhos e pulgueiros, ao mesmo tempo em que o som ia ficando cada vez mais pesado.

Logo Bolton daria lugar a Larry Wallace, e a banda padeceria com a a falta de atenção, mesmo com dois álbuns na praça. Wallis sai, entra Bernie Marsden, que perde um avião para a Alemanha. Um guitarrista local quebra o galho em dois shows e acaba ficando no grupo por quase dez anos (Michael Schenker).

Se não fosse o eixo Londres-Birmingham em 1969 o rock pesado provavelmente não teria o mesmo impacto que teve na música pop mundial – Robert Plant e John Bonham, do Led Zeppelin, também surgiram na cidade industrial do Black Sabbath e do Judas Priest. São 46 anos de peso, potência e agressividade, que ajudaram a enterrar a era hippie e o psicodelismo, e que fizeram do heavy metal o mais duradouro subgênero do rock.

 

 

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

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O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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