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Beatles ao vivo antes da beatlemania, quem diria, nas lojas brasileiras

Combate Rock

28/11/2014 06h45

Marcelo Moreira

As principais megastores brasileiras, aquelas livrarias que também vendem DVDs e CDs em shopping centers, em sua maioria, estão coalhadas de reedições de álbuns dos Beatles, mas sem grandes novidades. Exceto pela discografia norte-americana, lançada em CD no Brasil com listas de músicas diferentes das edições originais, as novas edições apenas interessam a quem pouco conhece a obra dos quatro músicos de Liverpool ou para quem não tem a coleção completa.

Mas eis que, perdida entre as novas edições, surge uma pérola da discografia não oficial, ou seja, lançamento que não ocorreu com a chancela da EMI – responsável pelas reedições em todo o mundo – ou de empresas licenciadas, surge "Live! At the Star Club 1962", um conjunto considerado, cronologicamente, como a segunda gravação oficial dos Beatles.

Quem está vendendo o CD duplo, ao custo de R$ 39,90, é a Saraiva. São quase nulas as informações sobre quem editou a obra no país. O selo que aparece é de uma empresa chamada Discobertas (www.discobertas.com.br). O site, bem básico,  tem pouquíssimas informações sobre a empresa ou sobre o catálogo.

Entretanto, quem comanda é um personagem importante do meio musical brasileiro, o pesquisador, escritor e jornalista Marcelo Fróes, especialista em garimpagem e em história musical brasileira. Apesar da falta de maiores informações, a Discoberta vem prestando um valiosíssimo serviço à memória da cultura nacional com reedições de obras importantes, mas esquecidas.

Live_at_The_Star-Club

O catálogo, com quase 100 títulos, é quase que totalmente dominado por álbuns antigos de artistas brasileiros de vários calibres e tamanhos, como Sergio Murillo, Cely Campelo, Pery Ribeiro, Waldick Soriano, coisas obscuras de Milton Nascimento e coletâneas  de muitos outros artistas. Curiosamente, não há coisa alguma sobre esse ao vivo dos Beatles pré-beatlemania.

Seja como for, é bom aproveitar a oportunidade. Apenas uma vez alguém se dignou a editar em CD, numa edição porca, "Live! At the Star Club 1962". Foi tão porca que não teve divulgação, e nem selo tinha no encarte. A capa estampa o desenho original, em fundo preto, dos primeiros vinis piratas surgidos ainda nos anos 60. Mais tarde, na Europa, em especial na Alemanha, surgiu de forma "oficial", ou "autorizada", a edição que se disseminou pelo mundo na década seguinte.

O encarte é uma cópia de uma edição em CD editada na Inglaterra nos anos 90, com um texto em inglês assinado pelo jornalista e escritor Chris White, que por sua vez foi publicado em um encarte em um LP inglês de 1977. As fotos do encarte trazem os Beatles quase adolescentes tocando no Star Club, boate barra pesada de Hamburgo, na Alemanha, nas três passagens da banda pela cidade, entre 1960 e 1962, sendo que somente na última Ringo Starr assume a bateria.

Como era esperado, o áudio das gravações é bastante precário, mas é possível notar ali um grupo já calejado nos palcos, e bastante empolgado, mesmo sendo obrigado a tocar no pardieiro que era o Star Club, na cidade portuária de Hamburgo, na área de prostituição degradada do porto. Uma escola e tanto para garotos de 18 a 22 anos de idade cheios de energia e crentes que poderiam dominar a Inglaterra.

 

Os registros foram feitos nas passagens da banda pela cidade nos meses de novembro e dezembro de 1962 – quarta e quinta temporadas. Já não eram mais os desconhecidos dos dois anos anteriores, até porque o single "Love Me Do" subia rapidamente nas paradas inglesas. os oportunistas de plantão não perderam a oportunidade e gravaram vários shows, mas de forma muito amadora. Sabe-se que os responsáveis foram Adrian Barber, gerente de palco do Star Club, e um inglês picareta chamado Ted "Kinsize" Taylor. No encarte brasileiro, uma informação importante: em inglês, "produto licenciado pela PD UK Unltd, sob responsabilidade de Ted Taylor".

Os Beatles, já com Ringo Starr na bateria, em sua quarta passagem por Hamburgo, no Star Club, em novembro de 1962 (FOTO: ENCARTE DO CD)

Os Beatles, já com Ringo Starr na bateria, em sua quarta passagem por Hamburgo, no Star Club, em novembro de 1962 (FOTO: ENCARTE DO CD)

E a banda mandou ver, tocando de forma pesada e bastante elétrica, disparando um repertório que era um enorme apanhado do que eles sempre tocaram na Alemanha desde 1960 – versões para clássicos do rock'n'roll norte-americano, blues e da incipiente soul music que despontava na época.

É muito interessante ouvir as versões cruas de "Be-Bop-A-Lula", "The Hippy Hippy Shake", "Besame Mucho", "I'm Talking About You", "Sweet Little Sixteen", "To Know Her Is to Love Her", "Little Queenie" e "Falling in Love Again", por exemplo. E mais legal ainda um rock acelerado by Lennon-McCartney, como "I Saw Her Standing There", então sendo testada para meses depois abrir o primeiro álbum da banda, "Please Please Me" – assim como outra original da dupla, "Ask Me Why".

Os aficionados da banda também vão se deliciar com as execuções de covers que no futuro estariam nos álbuns do grupo, como "Twist and Shout", "Roll Over Beethoven", "Taste of Honey", "Matchbox", "Kansas City", "Mr. Moonlight", "Long Tall Sallty", "Till There Was You" e "Everybody's Trying to be My Baby".

O álbum é bem mais do que mera curiosidade, por mais que seja complicado ouvir áudio ruim como o registrado. É o único registro ao vivo dos Beatles antes de serem verdadeiramente Beatles, em um tempo em que o próprio John Lennon reconhecia que os quatro fizeram os seus melhores shows e quando foram mais artisticamente relevantes em termos de performance. É um documento histórico e valioso, ainda que seja fruto de de uma imensa trambicagem. Merece o investimento.

 

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

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O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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