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Os hits desapareceram e o rock agoniza lentamente

Combate Rock

24/11/2014 07h00

 

Marcelo Moreira

O final dos anos 80 assistiu à disseminação indiscriminada da chamada música eletrônica de dancetereria – tão abominável quanto qualquer tipo de música eletrônica. Não somente as danceterias surgiram aos montes, mas também emissoras de rádio FM.

E o mais absurdo dessa época: ninguém sabia – nem se importava – com os nomes dos artistas que tocavam, seja nas rádios, seja nas pistas de dança. A sucessão de músicas coladas umas as outras não tinham "autores" nem "intérpretes". Para que perder tempo indo atrá de tais informações? Não fazia diferença mesmo…

Sem que déssemos conta neste século XXI, situação semelhante ocorre desde meados da década passada. Qual foi o último grande hit roqueiro que você sem lembra? Radiohead? Coldplay? Adele??????????

O jornalista, escritor e documentarista Ricardo Alexandre, autor do ótimo livro "Dias de Luta", tem na ponta da língua o nome do último grande hit do rock nacional: "Anna Julia", dos Los Hermanos, em 1999. Nem mesmo a praga inacreditável das bandas emo conseguiu emplacar algo memorável ou que merecesse uma simples lembrança.

A partir de então, nada mais chamou a atenção do público de forma definitiva, o que coincide com a perda progressiva da música como produto cultural ou mesmo algo que valha a pena ser comercializado ou consumido.

O desaparecimento dos hits é a face mais visível – e triste – da pulverização da música e de sua desvalorização progressiva. Sem hits, sem certa massificação (no bom sentido, se é que isso é possível), as músicas passam despercebidas, com sua importância cultural cada vez menos.

A falta de hits é a responsável pela perda de importância da música na vida das pessoas atualmente? Se não é, com certeza ajudou no estabelecimento de tal situação. Houve um tempo em que os hits serviam para expor os artistas – bons ou ruins – e impulsionar as bandas de singles e álbuns. Só que hoje quase não se compra mais música, e os hits sumiram, fechando o caixão da música pop.

Será que é por isso que o U2 resolveu dar de graça o seu novo álbum, "Songs of Innocence", no formato digital, permitir que a Apple disseminasse os arquivos em iPhones e iPads? Qual foi último grande sucesso da banda?

FOTO: DIVULGAÇÃO

U2: distribuir gratuitamente álbuns digitais é a saída? (FOTO: DIVULGAÇÃO)

Para Nick Mason, baterista do Pink Floyd, a banda irlandesa está contribuindo sensivelmente para a desvalorização da música como bem cultural e com algum valor monetário. "Distribuir álbuns e música de graça é assumir que seu trabalho tem pouco ou nenhum valor, e que é descartável", disse o músico à revista Rolling Stone norte-americana.

Por que os hits desapareceram? A primeira explicação, e mais apressada, é a de que, de forma geral, mercado passa por uma crise de qualidade, tanto nas composições como nas interpretações.

As músicas que surgem são ruins, fracas, e não chamam mais a atenção. Virou tudo uma massa sonora amorfa, insípida e inodora, lembrando muito as porcarias eletrônicas anônimas disseminadas pelas danceterias e emissoras lixo que despejam isso nos dials.

Há quem diga que há outra tese: a de que a música perdeu importância e valor porque pode ser obtida de graça na internet, por meio de downloads ilegais, e que com isso o antigo interesse genuíno pela música como bem cultural caiu bastante, justamente po conta da desvalorização ocorrida pela facilidade de acesso às músicas.

Como consequência desse tese, estabeleceu-se uma máxima: quem faz o hit é o ouvinte/consumidor, é ele quem dá o ok para uma música virar sucesso, seja em emissoras de rádio ou internet. Se o ouvinte não identifica a existência de sucessos, os hits não existem e a música deixa de ser importante, passa batida.

De qualquer forma, a deterioração do mercado passa pelas duas teorias – desvalorização da música e perda de qualidade da produção, embora seja difícil medir uma suposta "queda na qualidade". Como escapar desse fundo de poço?

Marcos "Nasi" Valadão, o vocalista do Ira!, acredita que a situação deve partir dos próprios artistas, apostando sempre no próprio trabalho e na competência.

"De certa forma, é um complicado comentar quando se integra uma banda como o Ira!, estabelecida e com muitos hits dos anos 80. Entretanto, é inegável que o mercado hoje está inundado com muita coisa, e a grande maioria com pouca qualidade. A saturação cansa todo mundo, e dificulta a garimpagem de coisas legais. Não me espanta que haja, ainda que de forma momentânea, um desinteresse", comentou o cantor em entrevista ao Programa Combate Rock em agosto de 2013.

Nasi relembra o formato do LP, nos anos 60, 70 e 80, com a limitação de tempo para incluir músicas. "O vinil permitia o máximo de 40, 45 minutos de música. Era raro um álbum conter mais do que dez faixas. Obrigava os artistas a selecionar e editar, ou seja, só entrava o que realmente valia a pena. Eu sempre tive isso em mente e meus trabalhos solo nunca têm mais de dez músicas. Quando o CD surgiu, crou-se a obrigação de ncher 63, 68 minutos, e muita, mas muita gente enche linguiça com coisa que não merecia entrar. Isso muda a estratégia e, de certa forma, satura o mercado."

Nasi (FOTO: KELSEN FERNANDES/DIVULGAÇÃO)

Nasi (FOTO: KELSEN FERNANDES/DIVULGAÇÃO)

O baixista e vocalista Marcelo Frizzo, da banda de hard rock Pop Javali, lembra que hoje, nas grande cidades brasileiras, o espaço diminuiu para a execução e divulgação de bandas autorais, com novas músicas, tanto no pop como metal nacional. Ele identifica uma acomodação de mercado que, de certa forma, não faz sentido.

"A ousadia e a curiosidade são artigos de luxo hoje no meio musical. Parece que as pessoas perderam a vontade de buscar o novo, de surpreender. E isso pode ser observado com a disseminação de bandas cover, ainda que esses artistas mereçam respeito por estarem ganhando dinheiro honestamente. O mercado – e também nós, artistas – precisa encontrar formas de instigar o público, de estimular o interesse", opina Frizzo.

E onde a existência de um hit pode ajudar? "Sucesso estilo hit é sempre importante, joga luz em um trabalho, em um artista, em um estilo musical", diz o publicitário e consultor Renato Rodrigues, que trabalha com marketing na área cultural. "Hit tem um potencial disseminador incrível, movimenta o mercado, ainda que seja artificial e turbinado – o que é raríssimo ocorrer no rock. Quando o hit é um rock, geralmente tem qualidade, ou mais qualidade do que as coisas que surgem no pop. Estou tentando lembrar qual foi último grande hit, pop ou rock. Adele????? Acho que foi…"

Então… cadê os hits? "Não sei se teremos algum grande hit de rock algum dia, muito menos no Brasil", explica Wille Muriel, vocalista da banda mineira Dolores Dolores. "Hoje é mais fácil banda brasileira autoral tocar no exterior do que em São Paulo e Belo Horizonte. Percebo que os covers estão em alta, as pessoas preferem ouvir todo dia nos bares 'Smoke on the Water' (Deep Purple), 'Satisfaction' (Rolling Stones), 'Eduardo e Mônica' (Legião Urbana). A disposição de experimentar algo novo é pouca. Não tem como surgir um novo hit desse jeito."

 

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

Sobre o Blog

O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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