Topo

André Christóvam, a cara do blues brasileiro - parte 1

Combate Rock

25/10/2014 06h54

Eugênio Martins Júnior – do blog Mannish Blog

André Christovam (FOTO: DIVULGAÇÃO)

André Christovam (FOTO: DIVULGAÇÃO)

Vinte e cinco anos se passaram desde o lançamento de Mandinga, disco seminal do blues feito na terra do samba. Nesse período, André Christovam se consolidou como o maior artista de blues brasileiro, gravando outros discos importantes: A Touch of Glass, seu segundo trabalho, todo cantado em inglês e guitarra slide; 2120, primeiro disco de blues de um brasileiro gravado nos Estados Unidos com músicos americanos, no lendário estúdio da Chess Records, em Chicago.

Participou do primeiro festival de blues do Brasil, em 1989, em Ribeirão Preto e também abriu a primeira noite de blues do Free Jazz Festival em São Paulo, o show do grande John Lee Hooker. Seu mais recente álbum, André Christovam Trio Live in POA with Hubert Sumlim, foi gravado em Porto Alegre, além Hubert, traz Big Time Sarah e Coco Montoya. Por um problema técnico, Solon Fishbone ficou de fora.

Trata-se da realização de um sonho. O bootleg autorizado conta com Hubert, guitarrista de um dos maiores nomes do Chicago Blues, Howlin' Wolf. Segundo André, o disco que mais o influenciou foi Howlin' Wolf London Sessions, cujas guitarras são todas de Hubert. Muita birita rolou debaixo da ponte até 2014.

Vinte e cinco anos após o lançamento de Mandinga, a população do Brasil chegou aos 200 milhões de habitantes e a população de bandas de blues também aumentou, bem como o número de festivais do gênero. Claro, não na mesma proporção, Blues is the backseat music, man.

Todas traçando o caminho que um dia André e Blues Etílicos ousaram traçar, mesmo o guitarrista declarando que o que faz atualmente nem é mais blues e sim um "híbrido" com muitas influências.
Se hoje existe uma cena nacional com artistas de blues e blues/rock em quase todos os estados do Brasil, ambos são os responsáveis.

Rodeado por sua coleção de discos de vinil, guitarras e pedais, André falou mais de duas horas sobre tudo relativo ao blues brasileiro e sua carreira, o começo nos anos 70, o estouro de Mandinga, seu amadurecimento musical, viagens boas e viagens ruins.

Eugênio Martins Júnior – Como foi que você começou na guitarra?
André Christovam – Arrumei um emprego na Só Calças por causa de uma garota. O dono da loja era o pai do Bozzo Barretti, produtor musical que tocou com o Arrigo Barnabé, Capital Inicial. Meu amigo de infância. Então ela foi trabalhar na Av. Angélica e eu na Rua das Palmeiras pra estar perto. O dinheiro que ganhei era pra comprar um aparelho de som. Meu pai tinha um Grundig mono na sala, mas eu queria o meu. No dia que recebi tive de fazer um trabalho e deixei o dinheiro cair no esgoto. E não fiquei com a garota também. It's is that a blues or what? Mas meu pai vendo esse esforço deu o dinheiro para comprar o aparelho. Na noite que o aparelho chegou em casa eu tinha só o Abbey Road e o Help dos Beatles e o Cosmo's Factory e Willie and the Poorboys do Credence e muita música brasileira do meu pai. Ouvia isso constantemente, cantava junto. Naquela noite meu tio me deu um disco do Bread, cuja primeira faixa era Guitar Man, que achei um horror. Aí chegou o Sérgio Amaral, que hoje é um fotógrafo renomado, meu irmão de criação, com o volume nove da série Pop History do Eric Clapton. Na Alemanha era duplo, mas no Brasil saiu com um disco. Tinha Let It Rain e After Midnight, e ele também me falou sobre o Cream. No dia seguinte troquei o Bread pelo Pop History do Cream. Lembro da sensação física de ouvir aquilo. Todos os sonhos de adolescente foram embora, piloto de fórmula 1, espião da CIA, o desejo de meu pai em eu ser médico. Ouvi os discos e pensei: "Eu vou fazer isso. Mas não vou fazer na bateria porque não tenho coordenação, mas uma das outras duas vou fazer". Quem me encantou foi o Jack Bruce. A forma como ele cantava. Num primeiro momento queria ser baixista. Mas se fosse baixista não conseguiria tocar com outro baixista. Então resolvi ser guitarrista pra tocar com o Jack Bruce.

EM – Mas você começou aprender pra tocar com o Jack Bruce?
AC – É a mesma coisa que chegar para um esquimó e mostrar um vídeo do Pelé e depois dar uma bola pra ele. Você acha que ele vai querer jogar com uma foca, um urso polar ou com o Pelé? Era um sonho de menino. Em janeiro de 1973 pedi uma guitarra para meu pai e ele disse que não ia dar, disse que eu teria de ganhar. Já havia um violão em casa. Meu primeiro violão.

EM – Esse instrumento ainda existe, você usa?
AC – Tenho, é mais velho do que eu. Só não está aqui porque meu filho levou para a escola. Levei no luthier Novais e ele reformou. É um Del Vechio 56 que ainda uso quando preciso de um som com nylon. Meu pai disse que arrumava um professor de violão e eu concordei. Na primeira aula o professor me perguntou o que queria tocar. Respondi que queria ser músico. Ele disse que para ser músico precisaria ler partitura e concordei. Ele disse que tinha de estudar bastante e concordei. Comecei a loucura de estudar violão clássico o dia inteiro. Ele me dava técnicas e mandava estudar meia hora. Estudava cinco, a ponto de colocar uma flanela entre as cordas para não atrapalha a novela da minha mãe. Durante um ano e meio de aprendizado toquei compulsivamente. Fizemos uma apresentação com todos os alunos acompanhando o Cauby Peixoto. Nessa época eu já estava tocando Villa Lobos. Lembro muito de Targa, que me deslumbrou como compositor. Nessa época já conhecia o King Crinsom, tinha o The Court of the Crinsom King.

EM – E esse disco aqui? Qual é a importância dele? (Tiro de uma embalagem o Howlin' Wolf London Sessions).
AC – Tenho aqui (vai na pilha de LPs na prateleira e saca o dele, original, importado e capa dupla). Naquela época jogava botão, futebol de mesa, com o Sérgio e com o Elton. A gente jogava bem. O Elton sempre ganhava as coisas, mas um dia eu ganhei esse disco dele. Apostei porque gostava do Eric Clapton. Quando cheguei a ter certa desenvoltura no violão comecei a tocar as coisas que gostava. Gostava muito de rock progressivo, Fragile e Close to the Edge do Emerson, Lake e Palmer; Yes Songs e Yes Album do Yes; Foxtrot do Genesis. Mas não dava pra tocar Robert Fripp, não dava pra tocar Steve Howe. Eu não tinha um bom ouvido para tirar as coisas. Sabia tocar e ler partitura, mas com aquele disco, por incrível que possa parecer, sabia onde estavam as notas. Em seguida veio a minha primeira Giannini, depois uma Strato, foi tudo muito rápido. De repente, entre 1974/75 tinha certa desenvoltura no instrumento. Esse foi o primeiro disco que consegui tocar junto.

 

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

Sobre o Blog

O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
Contato: contato@combaterock.com.br

Blog Combate Rock