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Ted Nugent pode ensinar bastante coisa aos militantes políticos do Brasil

Combate Rock

22/10/2014 06h38

Marcelo Moreira

Um artista veterano, com zilhões de discos vendidos, admirado por muitos fãs e que sempre declarou suas posições políticas, atraindo a ira de detratores e trouxas politicamente corretos de plantão, quando não dos pitbulls cooptados e manipulados pela "oposição". E que nem se importa com esse patrulhamento. Estamos falando de Chico Buarque de Hollanda, talvez o maior nome da MPB em todos os tempos?

Não, embora o sambista brasileiro se encaixe na descrição. Ted Nugent é um dos guitarristas mais respeitados dos Estados Unidos, e também um dos artistas mais odiados. Pioneiro do rock pesado nos anos 70 em seu país, ao lado de Grand Funk Railroad e muitos outros, sempre atraiu a ira dos esquerdistas e dos políticos democratas.

Ativo militante do Partido Republicano, direitista até a medula óssea, xenófobo (tem ojeriza a imigrantes de qualquer cor ou parte do mundo, pregando sua expulsão sumária), defensor incansável do armamento da sociedade, do neoliberalismo radical e avesso a qualquer política social que esbarre no mais remoto assistencialismo, Nugent ainda é frequentemente acusado de ser racista, embora passe longe do supremacismo branco.

Por tudo isso, é odiado por parte de militantes políticos e do público mais identificado com causas sociais. Já teve seus discos queimados em alguns eventos e é constantemente alvo de boicotes. O que ele diz sobre isso? "Meus shows costumam ser muito bons e já vendi milhões de discos e CDs. Acho que sou competente no que faço."

O que significa tudo isso? Que a imbecilidade nas campanhas eleitorais e no dia a dia da política ocupa um espaço gigante nas sociedades brasileira e americana. Quanto mais democrática é uma sociedade – ou tenta ser -, maior é a quantidade de imbecis que tenta se apropriar dos meios políticos.

ted_nugent

A campanha esdrúxula promovida por um colunista desmiolado e indigente intelectualmente para que haja um boicote a artistas que declarem voto no PT é o sintoma mais visível do emburrecimento/embrutecimento de uma população que soube tolerar as divergências políticas mesmo em momentos graves do passado recente, como no pós-governo militar, entre 1985 e 1990, e mesmo durante o impeachment do ex-presidente Fernando Collor, em 1992.

Boicotar artistas por conta de suas posições políticas públicas – o ator Herson Capri e o comediante/colunista da Folha de S. Paulo Gregório Duvivier foram atacados pro declarar voto ao PT, o segundo levando um soco em um restaurante – é transformar política partidária em ringue de MMA, eleição em inquisição. Adversário vira inimigo, quem diverge merece a forca/fogueira. Como isso é possível em pleno século XXI?

É surpreendente e ao mesmo tempo assustador o ódio envolvido na eleição de 2014 no Brasil, mas o caso Ted Nugent tem muito a ensinar as pessoas por aqui. Com posições políticas conhecidas e definidas, o guitarrista norte-americano foi acusado várias vezes (muitas vezes com razão) de disseminar o ódio racial-político-social em seus discursos e em participações em convenções do Partido Republicado e de instituições que defendem o armamento cada vez maior da população. Entretanto, suas músicas quase sempre estiveram livres desse lixo.

Grande vendedor de LPs e CDs há 40 anos, emplacou hit atrás de hit nos Estados Unidos com canções alegres e sacanas de celebração da vida e do rock'n'roll, permeadas com algumas com letras densas de cunho intimista e pessoal. Letras políticas e panfletárias? Sim, elas estão em sua obra, mas nem de longe mostram a qualidade e a força das músicas mais "normais".

O trabalho de Nugent é respeitado até mesmo por gente que não o suporta como pessoa – Neil Young, Frank Zappa, e Bruce Springsteen, politicamente opostos. Nunca confundiram as coisas e reconheceram méritos no trabalho do guitarrista sacana e doidão. Ele não deixou de ser bom guitarrista e cantor, de bom compositor, por ter votado em Ronaldo Reagan ou George W. Bush.

Patrulhar Chico Buarque e outros artistas que declararam voto em Dilma Rousseff (PT), com a recomendação estapafúrdia de boicote a suas obras, é cair na vala estapafúrdia do fundamentalismo religioso, que um dia ousou, por meio de milhares de lixos humanos, queimar discos do Beatles em 1966 por conta de uma desastrada declaração de John Lennon ("O cristianismo vai acabar. Hoje os Beatles são mais populares do que Jesus Cristo"). Então a obra da banda virou uma porcaria por causa de uma declaração equivocada?

Ted Nugent em uma de suas fotos provocativas (FOTO: DIVULGAÇÃO/FACEBOOK)

Ted Nugent em uma de suas fotos provocativas (FOTO: DIVULGAÇÃO/FACEBOOK)

O patrulhamento e a perseguição ideológica mostram o verdadeiro caráter de um povo, como escreveu recentemente um cientista político lúcido e neutro nesta eleição. De um lado, há uma proliferação de vídeos com gente estúpida vaticinando que o Brasil está a um passo de se tornar uma Venezuela (??!?!?!?!?!?!?!) e que isso ocorrerá se Dilma ganhar. Do outro lado, gente considerada inteligente, mas de esquerda, faz terrorismo político e psicológico afirmando que o PSDB vai acabar com TODOS os programas sociais que exstem hoje. E a imbecilidade é arrematada com a brilhante frase "VOCÊ QUER SER ESCRAVO DE UM REGIME COMUNISTA ASSASSINO? SE QUER, BASTA VOTAR NA DILMA !!"

Ted Nugent é um ser execrável pessoal e politicamente, xenofóbico quase às raias do racismo, mas sua música é boa, em minha opinião, e sempre continuarei a ouvi-la. Não gosto de Chico Buarque e não ouço suas músicas, mas esse tipo de campanha insidiosa e asquerosa enseja a realização de um evento de desagravo ao sambista, até para que se torne um marco nas relações políticas entre militantes no Brasil.

O visceral, xenofóbico e belicoso Ted Nugent é odiado por muita gente no mundo, mas nunca se ouviu nenhum xingamento dele em direção aos detratores. Bem-humorado, nunca escondeu suas preferências e nunca deixou o ódio contaminar suas músicas e seus trabalhos. Ele tem algo a ensinar aos militantes políticos brasileiros.

 

 

 

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

Sobre o Blog

O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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