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Metal x Punk: baterista é esfaqueado em SP e banda cancela show

Combate Rock

30/04/2014 07h00

Marcelo Moreira

Os sombrios tempos briga de gangues armadas no rock brasileiro parece que estão de voltas, como período turvo do início dos anos 80. De forma sucinta e sem rodeios, a banda de black metal Amazarak, de São Paulo, comunicou fãs e imprensa que o show que deveria fazer neste fim de semana foi cancelado devido um ataque pessoal sofrido pelo baterista Felipe Impaler no último sábado. a banda participaria de um festival de black metal no Fofinho Rock Bar, na zona leste, no próximo domingo, abrindo para a banda inglesa Scutum Crux.

Segundo o comunicado, o músico passeava à noite pela região da rua Augusta, no bairro da Bela Vista, em São Paulo, ao lado da namorada e de uma amiga, quando foi atacado por um grupo de pelo menos dez punks que bebiam em um bar numa esquina. Sem tempo para reagir ou se defender, Felepe Impaler e as duas meninas foram brutalmente espancados, sendo que o baterista foi esfaqueado e a namorada teve o nariz quebrado por chutes. Após dois dias internado, F . Impaler passa bem e já saiu do hospital.

Segundo Thiago Anduscious, guitarrista do Amazarak, o baterista, que é careca, foi confundido com integrantes de outra facção punk (provavelmente skinheads ou algum grupo derivado dos Carecas de Subúrbio). "Foi uma grande covardia. Eram muitos e não tiveram dó de agredir gente desavisada e pacífica. Bateram em meninas, isso é um absurdo."

Felipe ainda está bem machucado, mas não se conforma com as agressões gratuitas às meninas. "É incrível a covardia de tais vermes.  Não sei dizer ao certo quantos eram, mas era uma penca. O que me deixa mais puto é o fato de terem agredido minha mina e minha amiga. Quem bate em mulher é lixo, não tem um pingo de honra e vergonha na cara. Sabia que ia apanhar, mas tinha que defender a gente de alguma maneira."

O músico ainda não fez boletim de ocorrência, e nem sabe se vai fazer. O ataque dos punks reforça a imagem de violência que cerca a região da rua Augusta, do lado do centro de São Paulo, na Bela Vista. Nos últimos cinco anos foram frequentes os relatos de agressões a homossexuais e mesmo a apreciadores de heavy metal.

Anduscius e a banda Amazarak entraram em polêmica nas redes sociais na semana passada ao endossarem uma espécie de "campanha" contra os apreciadores do chamado white metal, ou música pesada com temas religiosos. gospel e até mesmo de louvação a Deus. O guitarrista disseminou em seu perfil um banner onde pregava a "morte ao white metal".

Banda Amazarak (FOTO: DIVULGAÇÃO)

Banda Amazarak (FOTO: DIVULGAÇÃO)

A volta da violência 

No ano passado, um grupo de punks que bebia próximo ao Espaço Itaú de Cinema agrediu em um sábado à tarde quatro garotos que vestiam camisas do Black Sabbath – estavam esperando amigos para ir ao show da banda no Campo de Marte. Eram garotos que tinham entre 15 e 20 anos de idade, que nem sonhavam da existência de uma antiga rixa, que se acreditava extinta, entre punks e metaleiros que vinha desde os anos 80. As brigs entre os grupos acabaram há muito tempo, mas parece que alguns ainda estão presos ao passado.

Refugiados e atendidos em uma farmácia da avenida Paulista, conseguiram contato com alguns amigos com quem deveriam se encontrar. Duas horas depois, cerca 20 pessoas, com camisas pretas e supostamente apreciadores de metal, apareceu de surpresa no bar onde os punks bebiam e bateram em alguns poucos que ali restavam de um grande grupo. Pelo menos dois punks deram entrada no pronto-socorro do Hospital das Clínicas com ferimentos e um deles, com um braço quebrado.

A crônica "policial-musical-metaleira" tem registrado um aumento de ocorrências de brigas e espancamentos desde o ano passado. Recentemente, fãs dos Metallica foram atacados na rua Xavier de Toledo, bem no centro velho de São Paulo, por integrantes da Marcha pela Família e com Deus pela Liberdade. Foram confundidos com black blocs, lixos humanos mascarados que se infiltram em qualquer manifestação para depredar e vandalizar. Não houve feridos graves, mas o troco veio uma hora depois, quando um grupo de metaleiros atacou na praça da República a retaguarda da manifestação, que se dispersava.

No ano passado, um grupo autointitulado anarcopunks atacou um grupo de pessoas que saía do show do Matanza, no Espaço Victory, na Penha, zona leste da cidade. Os punks, sabe-se lá o motivo, os confundiram com black blocs. Só não contavam com a reação violenta dos roqueiros, já que dois deles estavam armados, segundo relatos de testemunhas. Foram repelidos a tiros e pedradas. Houve até mesmo perseguição, já que havia muitos fã do Matanza nas redondezas.

Romantização e infantilidade

Até hoje se romantiza muito as famosas "tretas" da primeira metade dos anos 80 entre facções de punks e entre punks e metaleiros. Todo final de semana havia brigas homéricas nas imediações da casa noturna Ácido Plástico, em Santana, na zona norte, entre roqueiros e punks. O que antes eram meros entreveros com brigas isoladas se tornaram confrontos grandes entre gangues armadas de paus, barras de ferro, facas e machadinhas.

Tais encontros ocorriam também nas proximidades do Carbono 14, no Bexiga, região central, reduto de roqueiros que gostavam de ver vídeos em VHS de shows do Deep Purple, Black Sabbath e Led Zeppelin, e na avenida Faria Lima, onde havia o Cine Rock Show, pertinho do shopping Iguatemi. Como eram regiões mais policiadas, as brigas eram esporádicas, mas deixavam as suas marcas.

As brigas mais feias começaram a ocorrer a partir de 1983, com a radicalização interna do movimento punk, começou a se dividir em facções. Os Carecas do ABC, menos politizados e mais violentos, assim como os rivais Carecas de Subúrbio, atacavam o que chamavam de cooptação do movimento pela "burguesia".

Imagem emblemática do auge do punk em São Paulo: Clemente (centro), dos Inocentes, ladeado por Kraneo (esq.) e Tiozinho (dir.), em uma discussão antes de um show no centro de São Paulo. A foto, do fotográfo Ruim Mendes, fez parte de uma mostra sobre o punk rock paulistano no começo de 2013, que marcou os 30 anos do Festival Começo do Fim do Mundo, no Sesc Pompeia

Imagem emblemática do auge do punk em São Paulo: Clemente (centro), dos Inocentes, ladeado por Kraneo (esq.) e Tiozinho (dir.), em uma discussão antes de um show no centro de São Paulo. A foto, do fotógrafo Ruim Mendes, fez parte de uma mostra sobre o punk rock paulistano no começo de 2013, que marcou os 30 anos do Festival Começo do Fim do Mundo, no Sesc Pompeia

Eles referiam à crescente fama de bandas como Cólera, Ratos de Porão, Inocentes, Olho Seco e outras que não eram sectárias e que dialogavam com o restante da sociedade, ainda que mantivessem o seu grau de radicalização.  Não havia festival ou show em São Paulo onde não houvesse tumulto e brigas, em uma atitude aberta de confrontação e guerra. "Não hesitei um segundo em passar para a turma do metal em 1985, 1986. Nunca tinha briga, o pessoal era bacana e tinha muito mais mulher", costuma dizer João Gordo, vocalista do Ratos de Porão.

O ápice desse comportamento belicoso ocorreu na primeira visita dos Ramones a São Paulo, quando tocaram na extinta casa de shows Palace, em Moema, em 1987. Foram quatro apresentações no local, mas a primeira ficou marcada por ataque surpresa de Carecas do ABC, furiosos com o show de uma banda "vendida", e pretendiam impedir o evento e, se pudessem, espancar os norte-americanos.

Houve pancadaria, portas espelhadas quebradas e troca de tiros entre policiais e carecas, mas não houve feridos graves. Os atacantes foram rechaçados pela polícia e por um grupo de fãs dos Ramones, que reagiram com pedras e barras de ferro, e acabaram debandando em confusão pelas ruas do bairro até chegarem à avenida dos Bandeirantes.

Isolamento e declínio

Muitos músicos da época afirmam que a violência entre os punks ajudou a "guetificar" o movimento, contribuindo para o seu declínio e quase extinção já no final daquela década. Ou seja, todo mundo perdeu com a violência – da mesma forma que a romantização das brigas entre torcidas organizadas de futebol lá nos anos 80 em nada contribui para o combate à violência. Se na época corintianos, palmeirenses, são-paulinos, flamenguistas e vascaínos trocavam socos, hoje trocam tiros.

Heraldo Cruz, cientista social e professor de estudos sociais da rede pública estadual de ensino, morto em 2004, sempre foi um crítico dessa violência infantil entre supostas gangues de supostos qualquer coisa. Para ele, a emulação de um cenário de guerra social e até mesmo cultural, como ocorreu entre os rockers nos anos 50 nos Estados Unidos, entre mods e rockers na Inglaterra entre 1964 e 1966, e no movimento punk inglês, a partir de 1976, é pura fantasia de meia dúzia de tontos que queriam se rebelar e brigar.

"O comportamento pueril de determinadas gangues era incompreensível até para eles mesmos. Vivíamos o fim da ditadura militar nos anos 80, o punk chegou um pouco tarde aqui, mas havia uma cena interessante, séria, com gente inteligente e bandas boas, mas houve uma parcela do agrupamento que nunca entendeu direito o que estava acontecendo, era despolitizada e ressentida, desconfiando de tudo e de todos. Para esses 'xucros' todos eram vendidos, todos eram corruptos e cooptados, em uma simplificação infantil e perigosa. Essa gente confundia política com guerra e força. usando uma terminologia 'yuppie', eram considerados desiludidos e fracassados, e viam na violência um meio de se afirmar. Igualzinho o que ocorreu depois com as torcidas uniformizadas de futebol", teorizou Cruz em uma entrevista concedida em 2001.

O professor foi baixista de várias bandas de pop e hard rock no final dos anos 80 e começo dos anos 80. Como nunca se profissionalizou e tinha muitos amigos no meio universitário, era bastante requisitado por bandas de todas as vertentes e sempre era convidado a quebrar o galho em bandas punks.

"Muitas vezes os músicos dessas bandas punks não apareciam para tocar, ou por estarem bêbados, ou por sumirem com alguma menina, ou mesmo por terem brigado antes e terem se machucado ou sido presos. Eu morava no centro de São Paulo e conseguia chegar rápido a qualquer lugar. Toquei em várias pocilgas e cansei de observar as rixas entre facções e facções das facções. Tudo era motivo de briga, havia grupinhos que iam aos shows de amigos só para brigar. parece a torcida da Portuguesa, que briga com ela mesma. Soube muito tempo depois que alguns lunáticos ligavam para os Carecas do ABC ou do Subúrbio avisando onde eles estariam, em qual show, marcando o encontro para brigar", relembrou o professor. Hoje é bem mais fácil, marca-se confrontos via Facebook.

Alguns especialistas dirão que as brigas entre grupos de qualquer credo, religião ou gosto musical é consequência direta dos tempos complicados em que vivemos, de pouco respeito às regras, às leis e de intolerância extrema a ideias contrárias. Isso é verdade, mas não pode obscurecer o caráter eminentemente estúpido e infantil de tais confrontos. E a violência no rock, que parecia ter sido escanteada, volta com força em pleno século XXI.

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

Sobre o Blog

O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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