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White metal, black metal e o preconceito nosso de cada música

Combate Rock

24/04/2014 07h00

Marcelo Moreira

Primeiro apareceu uma campanha desnecessária e equivocada contra as bandas "cover" (que só fazem versões de clássicos do rock e da música em geral), com a alegação de que supostamente tomam o lugar de músicos que fazem som autoral. Agora ressurge na internet, principalmente nas redes sociais, uma nova "birrinha" entre apreciadores de black metal (com letras satanistas e anticristãs) e white metal (com temas de cunho religioso ou espiritual). É um assunto ultrapassado, fora de moda, por isso a estranheza de tal "polêmica" ressurgir, e ainda no Brasil, onde as duas cenas são minúsculas.

Entretanto, a questão merece a atenção porque, apesar de dois segmentos pequenos até mesmo dentro do rock, envolve músicos de bandas conceituadas, com bons trabalhos no currículo. Já fazia tempo que os black headbangers tinham deixado de lado os insultos e as blasfêmias contra os apreciadores do rock cristão – estes sempre ignoraram as provocações e xingamentos. Cada ala estava na sua e todo mundo seguindo a vida. Há uma corrente entre os blacks que simplesmente não suporta a ideia de haver qualquer tipo de metal, seja o tradicional ou extremo, com qualquer alusão positiva a religiões ou temas mais espiritualizados. Por que será que isso incomoda tanto?

O novo ataque ao white metal surgiu no Facebook, tendo como uma das pontas de lança o guitarrista Thiago Anduscias, da ótima banda de black metal brasileira Amazarak. Com uma imagem de uma edificação pegando fogo – com certeza uma alusão aos crimes cometidos por metaleiros extremistas na Noruega, nos anos 90, que queimaram várias igrejas pelo país -, um dos posts do músico traz a frase ameaçadora "Morte ao White Metal – Vocês Não são Bem-vindos aqui!", sem especificar onde é o "aqui".

whitemetal

Mais do que preconceito e intolerância, a imagem e as mensagens mostram falta de respeito a quem está quieto e pensa de forma diferente. Por mais que os roqueiros teimem em pregar que rock não combina com mensagens religiosas – o que me faz concordar em parte, já que não gosto de religiões -, ainda assim a mensagem belicosa é algo que a música e a cultura não precisam em nenhum momento, ainda mais em plena segunda década do século XXI.

Uma das meninas que comenta o posto de Anduscias faz alusão a algum tipo de "invasão" de espaço, físico e virtual, por parte de supostos apreciadores de white metal. O guitarrista do Amazarak tenta amenizar a questão em uma resposta a alguém, nos comentários, mas só consegue destilar ainda mais preconceito e intolerância, reforçando estereótipos. "White metal não são (sic) bem-vindos, quer curte essa merda que vá ouvir longe de mim!!!! Cada um tem o direito de ouvir o que quiser e onde quiser, mas eu detesto e jamais irei aprovar esse tipo ridículo de música. Não quero white merda perto de mim!!!!"

Então qual o motivo de bradar a morte do estilo e aos apreciadores deste, ao invés de simplesmente ignorá-lo, como vinha ocorrendo até recentemente? Em um momento no Brasil que se ouve cada vez menos rock, e quando o gênero musical, em todas as suas vertentes, está cada vez mais guetificado, brigas tolas como essa, com ataques destemperados, inúteis e infantis, com certeza não contribuem para a consolidação de uma cena – qualquer que seja – nem para a imagem de um subgênero que é sério e que deve ser respeitado, como o black metal.

Crimes na Escandinávia

E a coisa só piora quando um dos amigos de Anduscias posta nos comentários uma frase atribuída ao músico norueguês Varg Vikernes (tambpem conhecido como Count Grishnackh), da banda Burzum, que cumpriu quase 16 anos de pena de prisão por assassinato de outro músico, além de ter respondido na Justiça, nos anos 90, a acusações de ter queimado igrejas: "A única igreja que ilumina é a que pega fogo".

Ele e mais alguns lunáticos – músicos e seus seguidores e fãs – formaram grupos de extremistas anticristãos na Escandinávia no final dos anos 80 do século passado que pregavam a destruição das religiões – notadamente as da corrente cristã – e de seus símbolos. Quando a década de 90 veio, a coisa saiu fora de controle na Noruega, com vários grupos, mais tarde incluídos em um movimento chamado "Inner Circle", partindo para a ação.

Muitas igrejas foram queimadas no país entre 1991 e 1993, bem como tentativa de agressões a religiosos. Entretanto, como os fanáticos extremistas também são humanos, por mais que sejam doutrinados e cegos pelo extremismo, as vaidades e os egos logo afloraram. O inevitável racha ocorreu entre as bandas de black metal e os dois líderes, amigos que tocaram juntos na banda Mayhem, se tornaram inimigos mortais por questões "ideológicas".

Vikernes criou o Burzum e acusou o ex-amigo e mentor Euronymus, do Mayhem, de não ser "tão radical e extremo". A coisa se tornou tão séria que a disputa terminou no assassinato covarde, a facadas, de Euronymus, atacado no escuro do Vikernbes, pelas costas, quando entrava em sua casa. Logo idenficado, o líder do Burzum assumiu o crime sem nenhum remorso e foi sentenciado a 21 anos de prisão, dos quais cumpriu 16. Foi libertado em regime de liberdade condicional no dia 24 de maio de 2009. Entretanto, voltou a ser preso junto com sua mulher, a francesa Marie Cachet, no dia 16 de julho de 2013, na França, acusado de planejar um massacre de civis. Foi libertado dois dias depois, mas ambos ainda estão sob investigação.

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Vikernes da capa da revista Decibel

Vikernes da capa da revista Decibel

Radicalismo de um só lado 

A mesma ferocidade ideológica não é observada do outro lado. Os grupos nacionais e internacionais de white metal e white rock sempre transitaram com tranquilidade em suas comunidades e também nos meios seculares (não religiosos). É comum, no Brasil, bandas estrangeiras atraírem público não ligado a igrejas ou religiões, como Petra, Mortification, Bride e Stryper.

Stryper, aliás, que surpreendeu há alguns anos quando lançou um álbum de covers (com versões de músicas de outros artistas), explicitando suas influências. "The Covering" não é memorável, mas traz algumas coisas interessantes e versões honestas. É possível imaginar o grupo fazendo uma versão do "satânico" Black Sabbath? Pois  "Heaven and Hell", do Black Sabbath da era Ronnie James Dio, ficou muito boa. "Lights Out", do UFO, uma banda "devassa" dos anos 70, também, assim como "Highway Star", do Deep Purple, "Immigrant Song", do Led Zeppelin (ainda mais insana e devassa nos excessos do rock'n'roll), e "Breaking the Law", do Judas Priest. É apenas um bom disco, nada mais.

Entretanto, o que chamou a atenção ao ler e procurar mais informações pela internet sobre o álbum é o tom raivoso com que muitos radicais de várias tendências antirreligiosas abominam a banda e sua linha filosófica, digamos assim. É a velha batalha entre os próprios roqueiros, que brigam em si defendendo gêneros, subgêneros e correntes ultra-alternativas.

O Stryper é uma banda de respeito. Tem mais de 30 anos de carreira e já transitou pelo hard rock, pelo hard pop e pelo heavy metal. Já lançou álbuns bem ruins e outros excelentes, sempre tendo a temática religiosa de cunho cristão como carro-chefe das músicas. Justamente por isso, desde os anos 80 o Stryper é execrado pelos radicais e pelos puristas, que consideram incompatível o rock e os temas religiosos. E o pior, muita gente inteligente embarcou e embarca neste caminho equivocado, caindo invariavelmente no "não ouvi e não gostei".

O rock sempre foi visto como "coisa do diabo" pelas várias correntes cristãs desde os anos 50 até meados dos anos 80, repetindo o que tentaram fazer com o blues e, de certa forma, com a country music voltada para temas mundanos.

Essa situação mudou bastante no Ocidente, principalmente depois que muitos jovens antenados, mas de fé, resolveram aproveitar o rock e o metal para professar sua fé, primeiro dentro da própria comunidade, e depois para o mercado chamado secular. Venceram pelo cansaço e pela insistência e hoje tempos excelentes bandas dedicadas à louvação e à pregação. Nada contra, por mais que as mensagens soem anacrônicas e totalmente deslocadas por conta do que é a essência do gênero musical.

Ainda existem bolsões de resistência total ao rock no meio religioso, especialmente nos rincões mais atrasados dos Estados Unidos e nas seitas evangélicas igualmente atrasadas no Brasil – quase todas em atividade atualmente. Boa parte do mundo islâmico também não tolera essa música "decadente".

É óbvio, entretanto que o preconceito dos puristas apareceriam até mesmo como argumento de defesa para desqualificar a linha religiosa que o rock adotou em algumas circunstâncias. Afinal, como pode existir alguém que faça rock religioso quando a religião sempre execrou o gênero musical?

Stryper nos anos 80, em sua fase hard rock - e com visual farofa da época (FOTO: DIVULGAÇÃO)

Stryper nos anos 80, em sua fase hard rock – e com visual farofa da época (FOTO: DIVULGAÇÃO)

Esse pensamento enviesado e equivocado acaba por privar muita gente de muita música boa. Gente que abomina a religião acaba misturando as coisas e deixa de aproveitar o que interessa, que é a música, independente da mensagem.
Assim como existe white rock e white metal, existe o black metal, que prima pelos temas satânicos e demoníacos, geralmente. E não vejo o mesmo preconceito dos roqueiros em geral contra as bandas de black metal.

Ou seja, falar de satanismo e diabo pode, são termas tolerados pelos roqueiros médios, mas falar de temas cristãos e até mesmo pregar não pode. Como assim? E o curioso é que existem bandas de metal extremo no Brasil e no mundo que fazem músicas louvando a Deus e Jesus Cristo, remetendo, obviamente, a um Slayer cristão, por mais que isso soe sacrilégio – e soa mesmo.

Seja como for, é uma insanidade ignorar bandas importantes e de boa qualidade apenas por causa da temática de suas letras. Assim como o Stryper é uma boa banda, o Mortification, da Austrália, também é.

No black metal, outro lado, os gregos do Rotting Christ são excelentes, assim como os poloneses do Behemoth e do Vader, e de muitas outras bandas que passeiam por temas satânicos ou antirreligiosos. Esse preconceito não tem sentido. Muita gente leva a sério demais as letras alegóricas, tanto de um lado como de outro.

Cena brasileira é respeitável 

No campo brasileiro, é bobagem ignorar bandas ótimas como Destra e Eterna, por exemplo, que fazem (ou fizeram) white metal em inglês, ou o excelente Oficina G3, que já fez hard rock em português com letras não diretamente ligadas à religião, mas com temática filosófica que ia por esse caminho. Assim como temos, do outro lado, coisas muito bem feitas, como Unearthly, Occultan, Pátria e o próprio Amazarak, que fazem o mais brutal metal extremo com temas diabólicos.

É evidente que, em casos ultra-extremos, como grupos de rock ou de qualquer gênero musical, que promova e incentive mensagens racistas, nazistas e ou violentas contra grupos de seres humanos, não podem ser apoiados, mas creio ser desnecessário prolongar essa questão.

Por não professar qualquer religião ou filosofia religiosa – na verdade, por abominar qualquer tipo de religião e, por isso considerar qualquer pregação uma bobagem, assim como qualquer coisa relativa ao satanismo (suprema estupidez, na minha opinião) – talvez eu consiga lidar melhor com essa questão de white metal x black metal.

OficinaG3

Já execrei o Stryper por ser cristão nos anos 80, até que escutei a banda pela primeira vez. Mudei de ideia quanto ao som, mas não quanto à mensagem – que continuo abominando. Mas a música era bem feita. Existem inúmeros artistas e músicos de rock cujas mensagens em letras são obrigatórias e maravilhosas – desnecessário citar alguém. Do mesmo modo, existem milhões de outros artistas e músicos que precisam ter suas letras ignoradas, seja por má qualidade, seja por imbecilidade.

Independente de sua fé (ou falta de), talvez seja uma atitude de tolerância, ou até mesmo de mera questão informativa, ouvir white metal ou black metal sem prestar muita atenção nas mensagens, que geralmente não passam de pura bobagem na esmagadora maioria dos casos.

A música tem de prevalecer. Garanto que haverá muitas surpresas para quem se dispuser a colocar temporariamente os preconceitos de lado e procurar ouvir coisas interessantes com Stryper, Mortification, Eterna, Destra e Oficina G3, entre outros.

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

Sobre o Blog

O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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