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Autoramas e Amleto Barboni mostram que o underground está vivo

Combate Rock

06/03/2014 06h51

Marcelo Moreira

A choradeira ainda continua em muitos segmentos, é verdade, mas o underground musical está vivo, e bastante vivo – embora, é preciso ressaltar, graças a uma substancial ajuda do Sesc paulista, que continua incentivando atrações de qualidade, mas longe de serem populares, para desespero da vida inteligente deste país.

Provavelmente não existem coisas mais díspares e opostas do que o trio carioca Autoramas e o bluesman paulistano Amleto Barboni. A uni-los, a qualidade de seus trabalhos, a fé no underground e o respeito imenso pelo público que os acompanha. E, é claro, o suporte do Sesc Vila Mariana, em São Paulo, na semana pré-carnaval.

Os Autoramas estão de bem com a vida. Com agenda cheia e turnês frequentes pelo exterior e pelo Brasil, fazem provavelmente o show mais divertido do rock brasileiro opaco da atualidade. Clichês são abundantes, mas sempre a serviço de um som básico, festivo, dançante e para cima.

A parceria com o cantor BNegão melhorou o que já era muito bom e o que o se viu no Sesc Vila Mariana em duas apresentações – a terceira foi no Sesc Pinheiros em pleno domino de carnaval – foi uma sucessão de hits energéticos, muita simpatia e vontade imensa de tocar.

Era visível a satisfação dos quatro músicos no palco, desfilando canções próprias, clássicos antigos do Little Quail and the Mad Birds (antiga banda do guitarrista e vocalista Gabriel Thomaz), um hit nacional dos Raimundos ("I Saw You Saying", de autoria do próprio Thomaz) e um do Planet Hemp, hit da era da disco ("Let's Groove", do fantástico Earth Wind and Fire), clássicos do rock ("Surfin' Bird", imortalizada pelos Ramones, e "Walk on the Wild Side", de Lou Reed) e até mesmo uma versão surf-punk de "Seek and Destroy", do Metallica.

Autoramas e BNehgão em ótimo show no Sesc Vila Martiana (FOTO: MARCELO MOREIRA)

Autoramas e BNegão em ótimo show no Sesc Vila Mariana (FOTO: MARCELO MOREIRA)

"A gente faz acontecer porque não temos alternativa. Ou é isso ou não é, então é trabalho duro, pesado e investimento em nossa arte e talento. Reclamar de falta de espaço para mostrar nossa música é algo que nunca passou por nossa cabeça, pois sempre tivemos de batalhar pelo nosso espaço, nada veio de graça", disse um empolgado Gabriel Thomaz, antes do primeiro show no Sesc Vila Mariana.

A baixista Flavia Couri enfatiza outro aspecto importante: a organização e o comprometimento com o "dar certo". "Não é porque é underground que as coisas têm de ser largadas. Pelo contrário, quanto mais certas e organizadas, mais fácil fica a vida e mais chances surgem para mostrar o seu trabalho. E organizar e fazer dar certo dá muito mas muito trabalho, e isso às vezes assusta."

O guitarrista Amleto Barboni segue a mesma filosofia. Depois de dar um passo ousado na carreira – abrir uma gravadora, a Sonoressencia -, decidiu produzir um DVD ousado, "A Night at the Maxwell Street", lançado em 2013, onde seu trio de blues regravou clássicos do gênero da vertente Chicago com uma estética diferente, em um estúdio de fotografia renomado e com clima intimista, recheado de efeitos de luz e de imagem.

Com a DVD, as apresentações ao vivo, que já vinham se baseando no mesmo tema, ganharam nova dinâmica e mais arrojo. O show de Barboni no Sesc Vila Mariana, na sexta-feira de carnaval, lotou o auditório e mostrou um apuro técnico invejável dele e do guitarrista Marco Ottaviano, outra fera do gênero no Brasil. Ao vivo, os arranjos do blues eletrificado de Chicago ganham um colorido extra, com mais peso e pegada.

Amleto Barboni (centro), tocando no Sesc Vila Mariana com Marcos Ottaviano (esquerda) e Vágner Vasconcelos (direita) (FOTO: MARCELO MOREIRA)

Amleto Barboni (centro), tocando no Sesc Vila Mariana com Marcos Ottaviano (esquerda) e Wagner Vasconcelos (direita) (FOTO: MARCELO MOREIRA)

Totalmente independente, a carreira de Barboni é um exemplo de como o blues nacional – e mesmo o rock, em todas as vertentes -, podem ser beneficiar de esquemas alternativos de shows e divulgação. Ok, o apoio do Sesc é fundamental para que o esquema funcione em algumas vezes, mas o bluesman paulistano se vale de uma estrutura pequena, mas eficiente, na condução de uma agenda equilibrada entre apresentações ao vivo e seu trabalho de executivo e produtor musical.

"Cada detalhe do DVD foi pensado, desde o repertório e arranjos até o esquema de filmagem e os detalhes de produção. Com persistência e inteligência é possível produzir cultura de qualidade, em produtos bons e rentáveis, sem que seja necessário ter um grande orçamento à disposição. Apoio não falta para quem trabalha duro e de forma correta, e o circuito alternativo sabe muito bem reconhecer isso", disse Barboni ao programa Combate Rock no ano passado.

O underground musical está vivíssimo e oferece boas possibilidades, dentro e fora do circuito do Sesc. Dá trabalho, até mais do que o esperado, mas os resultados costumam ser bastante satisfatórios, especialmente para quem talento e não se ilude com as supostas oportunidades do chamado "mainstream".

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

Sobre o Blog

O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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